Negócio “bate-ficha”: Os atores principais

Tradicionalmente, o sistema de contratos das salas VIP de Macau é organizado em torno de quatro atores: o Casino, o Jogador VIP, o Contratante da sala VIP (“Promotor VIP”)...
Negócio bate-ficha-Os atores principais

Tradicionalmente, o sistema de contratos das salas VIP de Macau é organizado em torno de quatro atores: o Casino, o Jogador VIP, o Contratante da sala VIP (“Promotor VIP”) e o Representante do cliente VIP (Operador junket).

O Casino

Macau teve apenas uma empresa concessionária com operações de casino, de 1962 até maio de 2004, a STDM era a única operadora do sistema contratual  das salas VIP tradicionais, até então, quando o Casino Waldo – propriedade da empresa baseada em Hong Kong, Galaxy –  abriu e iniciou o negócio VIP neste sistema.

Tendo este sistema sido criado sem o devido enquadramento legal, a STDM desempenhou um papel dominante no estabelecimento das regras, bem como na sua gestão e aperfeiçoamento.

Promotor VIP

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O promotor VIP, ou contratante, é um interveniente preponderante dentro do sistema contratual tradicional de salas VIP, entre o casino e os operadores junket. Ele é o elemento basilar para erigir, organizar e suportar a rede interpessoal de operadores junket, servindo também como um provedor de empréstimos para operadores junket e, ocasionalmente, para os clientes.

Um contratante tradicional de sala VIP é, tipicamente, uma pessoa com especiais competências em relações públicas, hábil a lidar com assuntos pessoais complexos, delicados e por vezes até mesmo perigosos. O promotor VIP é também aquele que corre maior risco nas operações de crédito associadas ao sistema contratual das salas VIP. Os promotores VIP podem ser pessoas singulares ou pessoas coletivas.

Operador “Junket”

O operador “junket” é, tipicamente, um trabalhador por conta própria que ganha comissões sobre “fichas mortas” depois de “vender” os seus clientes a um promotor VIP. Os operadores junket evoluíram de revendedores de “fichas mortas”, que lidavam primordialmente com os clientes já no interior do casino, para indivíduos que recrutam clientes por sua própria conta e risco.

Como tal, os operadores junket não são apenas revendedores de “fichas mortas”, mas também agentes de marketing para os promotores VIP, bem como para o casino.

Um modo típico de um operador junket trabalhar com os clientes pode ser descrito da seguinte forma:

Segmentar

A sala VIP é construída em torno do contratante. No entanto, em alguns casos, um operador junket tem também uma equipa própria. Por exemplo, os operadores junket podem abrir agências de viagens em grandes cidades e contratar ou colaborar com representantes locais para trabalhar para eles.

Nos anos de 1980 e 1990 – quando o principal mercado de clientes da indústria de casino de Macau era Hong Kong – a maioria dos operadores junket operava individualmente. Um único junket viajava entre Hong Kong e Macau e fazia todo o trabalho de recrutamento.

A partir do momento em que o principal mercado de jogo em Macau transitou de Hong Kong para a China Continental, os processos de recrutamento tornaram-se mais complexos. A distância, as diferenças culturais e até mesmo barreiras linguísticas – alguns promotores VIP cuja língua nativa é o cantonês e não falam mandarim – têm que enviar operadores junket para organizar as suas próprias equipas. O novo termo que tem sido usado para designar estes operadores junket é bo-jao, que literalmente significa “porteiro”.

Um operador junket tradicionalmente concentra-se numa área geográfica específica e monitoriza-a a fim de verificar se aí existem pessoas suficientemente ricas e com potencialidades para vir a ser clientes VIP. Quando um operador junket, ou os seus homens, detetam tal alvo, o próximo passo será criar uma oportunidade de contacto de modo a estabelecer uma “amizade” ou relacionamento com o alvo.

Fazer Amizade

Por norma, os recrutadores de jogadores, inicialmente, não informam os clientes-alvo da sua intenção real. Geralmente, o recrutador diz que integra uma agência de viagens focalizada em visitas a Macau. Se o processo de “fazer amizade” for bem sucedido, proporá uma viagem gratuita a Macau oferecida pela agência de viagens ou por si próprio, na qualidade de “amigo”.

O Guia

No caminho para Macau, o companheiro (operador junket ou assistente) paga todas as despesas, incluindo transporte e acomodação. Quando chegam ao destino é sugerida uma visita ao casino. Se a sugestão for aceite será proposta uma visita à sala VIP do casino. O cliente recrutado é encaminhado até à sala VIP onde será  afiliado juntamente com o recrutador.

Emprestar Fichas Mortas sem Juros   

Já na sala VIP, o cliente é previamente informado da política da sala VIP: O seu orçamento de jogo deverá obedecer a um mínimo, por exemplo, HK$ 500.000 (cerca de 48.000€), a fim de estar apto a jogar na sala VIP.

Este é o momento em que o operador junket pode avaliar se a estratégia está a funcionar. Se se verificar que o cliente não está disposto a continuar – o cliente não é assim tão rico ou não está disposto a aceitar um empréstimo tão avultado – então, todos os esforços empreendidos e os custos despendidos até este ponto têm de ser absorvidos como perdas pelo operador junket.

Por outro lado, se o cliente concordar com os termos propostos terá acesso a um empréstimo de fichas mortas (sem juros) de, digamos, um milhão de dólares de Hong Kong (cerca de 96.000€). O operador junket recebe as fichas mortas por empréstimo ou compra-as a partir de seu “patrão”, o promotor VIP. Neste momento o operador junket fez o seu primeiro dinheiro de comissão (sobre o empréstimo de fichas mortas) de HK $ 7.000. Se esta comissão vai realmente ser cobrada pelo operador junket dependerá da cobrança da dívida com sucesso ou dos ganhos recolhidos.

Lidar com fichas mortas

O cliente é levado para junto de uma mesa de bacará e começa a sua aventura. É também a hora de o seu representante ganhar comissões adicionais por meio do giro de fichas. Neste contexto ele voltou ao papel dos seus antecessores –  um revendedor de fichas mortas. Para o negócio de operador junket esta é a razão fundamental pela qual a sociedade de Macau ainda se refere a eles pelo antigo título de “revendedores de fichas mortas” (da-ma-zai).

Neste texto usamos esta referência para distinguir os revendedores dos velhos tempos, que faziam dinheiro só para si, dos novos operadores junket, que beneficiam não apenas a si próprios, mas também o casino e os promotores VIP.

Nesta fase, o recrutador de sucesso está junto do  seu “amigo” jogador, atento ao seu desempenho, com as fichas mortas preparadas para serem escoadas em troca das fichas regulares sacadas junto do seu jogador sempre que este ganha.

Os dois “amigos” sentem a ansiedade transmitida à medida que o jogo se desenrola, porém com objetivos bem diferentes: O jogador só quer ganhar, enquanto o operador junket espera por períodos prolongados de ganhos e perdas.

Qualquer das situações, no entanto, justificará o investimento: se o jogador estiver em “maré de sorte”, a ganhar, o operador junket espera uma generosa gorjeta e a dívida paga imediatamente; se o jogador estiver em “maré de azar”, o operador junket  ganha a comissão sobre as fichas mortas perdidas pelo jogador.

Como, na realidade incontornável dos jogos de casino, os perdedores são mais comuns que os ganhadores, na vasta maioria dos casos a aventura culminará com a cobrança da dívida.

Cobrar dívidas

Considere-se o caso em que a aventura termina depois do cliente ter perdido a totalidade do montante disponibilizado a crédito por parte do operador junket. O jogador deverá pagá-lo de volta ao operador. Porém, pode não estar disposto ou não ser capaz de fazê-lo.

Como, então, será cobrada tal dívida? É interessante notar que no âmbito do sistema das salas VIP de Macau, as dívidas de jogo não são nem legais nem ilegais (anteriormente à aprovação da lei de crédito de Macau, em 2004, era ilegal os casinos concederem crédito, mas não o era para os intermediários, tais como contratantes de sala VIP ou operadores junket).

Os operadores junket de Macau, normalmente, não recorrem aos tribunais para requerer a execução legal das dívidas, embora a lei de crédito de jogo lhes habilite a fazê-lo. A forma como muitas dívidas de jogo são cobradas assenta em preceitos culturais, onde a “amizade”, a “consciência”, a “família”, o “prestígio” ou a “honra” assumem particular relevância.

Muitos casos são eventualmente resolvidos com base nestes elementos culturais. Pouco se sabe sobre os esforços e procedimentos levados a cabo à margem da lei, sob a forma de ameaça, chantagem ou coação física perpetrada contra os devedores ou as suas famílias. Desconhece-se a real dimensão do recurso a tais procedimentos para cobrança de dívidas de jogo neste sistema, embora seja provável que não sejam invulgares ou ocasionais.

Um operador junket, supostamente, tem algum conhecimento sobre a liquidez financeira do seu cliente através de informação inicialmente recolhida aquando da fase de segmentação e recrutamento. Assim, quando um operador junket convida o cliente para um empréstimo de fichas mortas, deverá ter uma razoável noção sobre o seu  limite de crédito e uma expectativa apurada sobre a sua capacidade de consolidação da dívida e resgate do crédito.

Deste modo, o sistema de cobrança de dívidas deve funcionar sem o recurso frequente a expedientes coercivos de ameaças de violência ou intimidação, ou procedimentos judiciais para o efeito.

No entanto, quando não são viáveis no seio do sistema acordos de pagamento de dívidas em tempo útil, outros meios de cobrança podem efetivamente vir a ser recrutados à margem da lei.

A extensão e frequência com que se faz uso destes meios (ameaças, intimidação, coação, violência, crime induzido como desfalques, etc.) representa uma ameaça evidente para a credibilidade e reputação do sistema, dos jogadores afetados e do Estado de direito, para além de um complexo problema para os reguladores, em particular aqueles que fora de Macau pugnam para que os seus mercados e operadores licenciados funcionem de acordo com boas práticas e padrões de referência regulatórios internacionais.

Consultas/Referências

– Queensland University of Technology Law and Justice Journal;

– Rufus King, Gambling and Organized Crime;

– Jermone H Skolnick, ‘A Zoning Merit Model for Casino Gambling’ 474 American Academy of Political and Social Science 48-60

Saiba mais sobre este tema:

A Ricardina

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