Com a emissão da licença n.º 001 à empresa BEM OPERATIONS LIMITED, que opera a marca Betclic, para exploração de apostas desportivas à cota, iniciou-se na data da sua emissão, a 25 de maio de 2016, o período máximo de dois anos previsto para a reavaliação do Regime Jurídico dos Jogos e Apostas Online e do respetivo modelo de controlo, inspeção e regulação, a cargo da entidade de controlo, inspeção e regulação conforme dispõe o artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29 de abril que aprova aquele regime jurídico.
A menos de um ano de se completar o prazo, e com o mercado a funcionar com um novo quadro regulador e 11 licenças emitidas à presente data, afigura-se pertinente compilar um conjunto de tópicos relevantes a figurar numa avaliação rigorosa e profunda sobre o novo quadro regulador, tomando por referência os princípios e objetivos elencados no preâmbulo do diploma:
- Trazer para a legalidade operadores e jogadores que atualmente jogam no mercado ilegal sem qualquer proteção, e assegurando, simultaneamente, o são funcionamento do Mercado;
- Estimular a cidadania e o jogo responsável e reforçar o combate à economia informal;
- Garantir a proteção dos menores e das pessoas mais vulneráveis;
- Evitar a fraude e o branqueamento de capitais;
- Prevenir comportamentos criminosos em matéria de jogo online;
- Salvaguardar a integridade do desporto, prevenindo e combatendo a viciação de apostas e de resultados;
- Conferir competitividade ao mercado português, pois entende -se que só deste modo se torna possível reduzir a prática ilícita do jogo online por parte dos operadores que disponibilizam jogo em Portugal e dos jogadores que a ele acedem.
A salvaguarda dos superiores objetivos de interesse público tem sido desde longa data um argumento insistentemente brandido para preservar uma larga margem de autonomia aos Estados Nacionais nas definição de políticas de jogo e proteção de consumidores, implementando medidas restritivas a esse propósito, pelo que se trata de um mercado excluído de harmonização europeia nos termos do artigo 25.º da Diretiva 2006/123/EC do Parlamento e do Conselho sobre Serviços no Mercado Interno.
Sob este respaldo cauciona-se, em vários jurisdições, o atraso na implementação de medidas que há muito se impõem face à evolução do mercado, propiciando situações lesivas do interesse público como o legislador português enfatiza ao referir que “A situação com que hoje nos confrontamos em material de jogo online é, desta feita, comparável à que existia em Portugal em 1927, antes da regulação da exploração e prática dos jogos de fortuna ou azar”.
Trata-se, pois de um quadro regulador que naturalmente requer a necessária consolidação entre todos os parceiros aos quais se aplica.
A palavra “parceiros” não é, de todo, aqui despicienda, pois os casos de maior sucesso e eficácia na adoção de um quadro regulador moderno em regimes de licenciamento conformam uma visão de estreita colaboração entre operadores, autoridades públicas, reguladores e demais entidades na implementação da lei, e dos seus necessários ajustamentos perante um mercado de enorme volatilidade, numa ótica de responsabilidade social e corporativa.
Os modelos verticalizados, de base burocrática-administrativa, transformam a regulação num instrumento estanque de mera avaliação da conformidade com um conjunto de requisitos que à data da sua emissão já estão ultrapassados pelo mercado. Reduzem os operadores à condição de meras entidades destinatárias do cumprimento da lei e de decisões de terceiros, abdicando do seu relevante contributo, e conhecimento técnico, enquanto parceiros empenhados para a prossecução dos princípios e objetivos legais anteriormente enunciados que, afinal, são também do seu superior interesse, pois é a credibilidade e competitividade do mercado que asseguram a sua viabilidade económica.
Perante um mercado global e tecnologicamente sofisticado, com uma ampla gama de produtos e serviços, a transição de um modelo hierarquizado, para um modelo matricial, que rompa com uma lógica de operação em silo, para uma base comum de coordenação e troca de informações afigura-se decisiva para a eficácia da regulação, seguindo aquelas que são as boas práticas recomendadas pelas instituições de referência em relação ao combate à infiltração criminosa na indústria do jogo, branqueamento de capitais, proteção de consumidores, integridade desportiva e jogo responsável.
A avaliação do impacto da regulação que o país espera ao final de dois anos não dispensa uma análise isenta, baseada em indicadores e dados robustos, sobre o impacto de um novo modelo regulador.
1 – Desde logo, começando na lista acima enunciada, na monitorização do mercado ilegal a operar em Portugal e no efeito corretivo que o novo regime jurídico introduziu, quantificando operadores e jogadores que transitaram para o mercado licenciado.
2 – Depois, avaliar quais as medidas e programas de jogos responsável levados a cabo e a sua eficácia junto dos consumidores, nomeadamente as ações preventivas de sensibilização e de informação, e os códigos de conduta e a difusão de boas práticas previstos no artigo 7.º do Decreto-Lei n.º 66/2015, de 29 de abril, tomando por referência os manuais e programas de avaliação de jogo responsável, com especial atenção na avaliação dos fatores críticos de despiste e proteção de vulneráveis.
3 – Sobre o branqueamento de capitais e prevenção de práticas criminosas o anterior artigo procurou elucidar a especial vulnerabilidade que o mercado online apresenta como janela de oportunidade de baixo risco e lucro elevado para diversas operações criminosas, através de operadores licenciados, para além das práticas criminosas em franca expansão na Darknet e no mercado não licenciado. Por isso, e sem prejuízo da introdução e cumprimento das medidas previstas para implementação das orientações vertidas na 4.ª Diretiva sobre Prevenção do Branqueamento de Capitais e Financiamento do Terrorismo, o reporte e colaboração com a Unidade de Investigação Financeira na implementação de mecanismos ágeis de despiste e reporte trata-se de um fator crítico de análise e avaliação em complemento com a eficácia das políticas de idoneidade, “Know your Customer”, “Know your Winner”, limitação de depósitos, fecho de contas e levantamento de prémios.
4 – Na salvaguarda da integridade no desporto, o novo quadro regulador proíbe apostas de agentes desportivos (praticantes, dirigentes, treinadores, etc.) em competições desportivas onde direta ou indiretamente sejam intervenientes. Desconhecem-se quais os mecanismos que o regulador dispõe para cruzamento dos dados provenientes das federações desportivas nacionais com os registos de contas abertas pelos operadores licenciados que permitam conferir um controlo efetivo ao cumprimento desta norma, bem como os condicionalismos que o quadro normativo de proteção de dados pessoais possa apresentar a esse propósito.
Portugal foi o segundo país a ratificar e transpor para o ordenamento jurídico interno – através da Resolução da Assembleia da República n.º 109/2015 – o principal instrumento vinculativo de combate à manipulação de competições desportiva, a Convenção do Conselho da Europa sobre a Manipulação das Competições Desportivas, a qual tem por principais objetivos:
a) Prevenir, detetar e sancionar a manipulação nacional ou transnacional de competições desportivas nacionais e internacionais;
b) Promover a cooperação nacional e internacional contra a manipulação de competições desportivas entre as autoridades públicas competentes, e entre as entidades envolvidas no desporto e nas apostas desportivas.
Nos termos do artigo 13.º da Convenção, cada Parte (Estado signatário) deve identificar uma plataforma nacional destinada ao tratamento da manipulação de competições desportivas, a qual deve, nomeadamente, em conformidade com o direito interno:
a) Funcionar como um centro de informação, recolhendo e transmitindo às organizações e autoridades competentes informações pertinentes para a luta contra a manipulação de competições desportivas;
b) Coordenar a luta contra a manipulação de competições
c) Receber, centralizar e analisar informações sobre apostas irregulares e suspeitas em competições desportivas realizadas no território da Parte e, se for caso disso, emitir alertas;
d) Transmitir informações sobre eventuais violações da lei ou da legislação desportiva referida na presente Convenção às autoridades públicas ou às organizações desportivas e/ou aos operadores de apostas desportivas;
e) Cooperar com todas as organizações e autoridades competentes, a nível nacional e internacional, incluindo com as plataformas nacionais dos outros Estados
Este instrumento obrigatório, e vital para o combate a esta ameaça crescente ao desporto e ao mercado de apostas desportivas, encontra-se ainda por concretizar e comunicar ao Secretário -Geral do Conselho da Europa o nome e o endereço, conforme dispõe o n.º 2 do referido artigo, privando o país de se representar na rede de plataformas nacionais (Grupo de Copenhaga) que procuram no seio do Conselho da Europa reforçar a sua coordenação, troca de boas práticas e capacidade de ação.
“Salvaguardar a integridade do desporto, prevenindo e combatendo a viciação de apostas e de resultados” num quadro de avaliação do atual modelo regulador não pode ignorar o impacto das lacunas enunciadas.
5 – Em diversas ocasiões têm sido emitidas opiniões por especialistas e operadores sublinhando a “insustentabilidade” do mercado de jogo online pela carga fiscal excessiva prevista, a qual protege operadores de menor dimensão, pois a taxa varia entre 8 e 16% em função do volume de negócios.
Alguns estudos e análises publicadas dão conta que é improvável os operadores licenciados em Portugal estabelecerem margens em níveis competitivos com operadores estrangeiros, exigindo a aplicação estrita de medidas de regulação contra operadores não licenciados para viabilizar o investimento no mercado nacional, pois segundo projeções realizadas uma taxa de 8% sobre o volume de negócio corresponde a uma taxa sobre a receita bruta de jogo entre 40 a 60%. Ora, isso configura um obstáculo para os operadores terem margens competitivas e apresentarem apostas individuais com odds longas atrativas, particularmente em operadores cujo volume de negócios os projeta para o limite máximo da taxa prevista.
Cumpre avaliar o fundamento técnico desta asserção na competitividade do mercado nacional e qual o efeito gerado nos consumidores e apostadores, bem como no condicionamento do mercado ilegal.
Porventura, entre vários outros, consideram-se estes os pilares determinantes numa avaliação do impacto da regulação e alguns dos domínios onde o superior interesse público, que a legislação procura acautelar, reclama uma análise objetiva e clara para salvaguardar a reputação e credibilidade da indústria tendo em conta que qualquer remédio que se equacione não pode deixar de ter por base um modelo colaborativo assente numa matriz de responsabilidade social e corporativa que saiba prosseguir os princípios e objetivos da lei para além de uma visão hierarquizada e da superficialidade de um mero controlo de conformidade..