Abriu o Sands antes de todos os outros, num espaço dominado por Stanley Ho. Foi para o Cotai, quando ainda era pouco mais do que um pântano. E foi o primeiro a ocupar todo o (muito…) espaço que o Governo lhe atribuiu. Sheldon Adelson viu o futuro, antes da concorrência. E Macau premiou-o: é líder de mercado e aqui vem buscar 65 por cento de todas as receitas do grupo.
Não passaram assim tantos anos, mas a forma como muitas vezes é descrita a relação do fundador da Las Vegas Sands (LVS, mais tarde Sands China), Sheldon Adelson, com o Cotai tem algum romance e, mesmo, contornos de mito urbano. A versão que muitas vezes transparece de diversos relatos na Internet é que Adelson construiu o Cotai – quando na verdade a primeira vez que o empresário viu o espaço até ficou bastante desagradado.
“Estava debaixo d’água! Eles estavam a mandar-me para o ‘fim do mundo’! [nota: a tradução mais livre da palavra ‘boonies’ seria ‘cu de Judas’]!”, contou, anos depois, o próprio Adelson, acrescentando “E não era só isso. Até pensei que era uma espécie de exílio político. Admiti que Stanley Ho tivesse alguma influência em tirar-me da Península, porque é onde ele acreditava que estava o centro de tudo”.
Estas declarações, além de confirmarem a aflição do fundador da LVS quando começou a procurar espaço para desenvolver o seu projecto, contam ainda uma outra história: há muito que Stanley Ho vinha preparando o cenário de perder o monopólio. “Apesar das propostas espectaculares que prometiam, quando ganharam as licenças, os outros concessionários não estavam tranquilos com o facto de ter de construir na Taipa ou no Cotai, locais muito longe das entradas principais dos turistas. Eles rapidamente perceberam que a maior parte da terra na Península era propriedade ou estava sob a concessão de Stanley Ho”, afirma um dos mais interessantes investigadores nesta área, Kah-Wee Lee, da Universidade de Singapura.
Stanley Ho tinha enchido a Península de casinos, que controlava directa ou indirectamente, além de ter comprado muitos terrenos-chave durante a Administração portuguesa.
A situação não era fácil e deixou muitos dos novos concessionários com insónias. Claro que o Governo se comprometeu a ajudar, mas terra é o bem mais escasso de Macau. O que fez Sheldon Adelson? Virou-se imediatamente para o Cotai, o tal local mítico que ele descobriu? Não, Adelson conseguiu romper o impasse na Península e encontrou junto ao Centro Cultural de Macau o terreno certo.
Certo, porque estava imediatamente a seguir ao Terminal do Porto Exterior e bem visível para os turistas vindos da China, que se dirigiam para os velhos casinos da nova SJM. “A localização do Sands Macau penetrou profundamente no território controlado pelos casinos de Stanley Ho”, afirma ainda Kah-Wee Lee. “Desta forma, o Sands Macau subverteu o controlo territorial dos casinos de Ho, fazendo uso das infra-estruturas existentes para seu próprio benefício”. Além do mais, lembra ainda o investigador da Universidade Nacional de Singapura, “essa estratégia foi barata, rápida e eficaz”.
Barata, porque Sheldon Adelson não quis perder tempo e por isso começou com um casino pequeno – 5.300 m2 e um hotel de 289 suítes, que, dois anos depois, já estavam a ser alargados: a expansão aumentou o casino para 21.300 m2. Rápida, porque, além de ‘pequeno’, o Sands Macau foi baseado numa construção intensiva – em 18 de Maio de 2004 foi inaugurado o primeiro casino de matriz norte-americana em Macau (ver texto nestas páginas).
Eficaz, finalmente, porque o investimento, suportado por um empréstimo bancário, foi pago em… nove meses. A construção global do casino custou 265 milhões de dólares americanos e, nos sete restantes meses de 2004, a empresa já declarava negócios no valor de 375 milhões (3 mil milhões de patacas).
Um sonho chamado Venetian
É indiscutível que os extraordinários resultados obtidos na Península deram o empurrão e esclareceram os mais inquietos (ou seja, a nova concorrência…) sobre o potencial do mercado de jogo de Macau. Mas é preciso dizer que Sheldon Adelson não ficou – como outros – à espera: no momento em que inaugura o Sands, Adelson já tinha tomado a decisão de investir fortemente no Cotai, projectando aquele que viria a ser apresentado como o maior casino do mundo, e as obras do Venetian até já tinham começado.
Algures em 2003, o fundador e presidente da LVS teve aquilo que ele descreveu (e que ficou conhecido) como a sua “visão”. “Foi o meu sonho. A minha visão. Quando a apresentei a Edmund Ho, ele disse: ‘Se você fizer isso [o Venetian], irá colocar Macau na frente durante 20 anos’”.
Hoje não é fácil conceber o cenário, mas quando as obras do Venetian arrancaram não havia rigorosamente mais nada a ser construído no Cotai – o Hotel Waldo é inaugurado em 2006, mas trata-se de uma obra incomensuravelmente mais pequena. E quando o Venetian é inaugurado, a 28 de Agosto de 2007, só o Waldo – que, ainda por cima, se veio a revelar um fracasso de receitas – lhe fazia companhia. “Esta foi a melhor aposta que já fiz na minha vida – a melhor. Foi uma aposta sem riscos e sem pensar”, confessou alguns anos depois à revista Fortune.
Sheldon Adelson entusiasmou-se de tal maneira com o Cotai que, além de ter encomendado um plano urbanístico de pormenor para a zona, quando ainda era pouco mais do que um pântano, chegou a tentar registar a marca Cotai Strip para seu uso exclusivo. Os concorrentes (liderados pela Melco) não gostaram e, quando autoridades locais perceberam que o Departamento de Marcas e Patentes dos Estados Unidos havia concedido à Las Vegas Sands Corporation uma marca registrada com o termo Cotai Strip, o Tribunal de Segunda Instância rejeitou a tentativa.
“Foi uma epifania semelhante à visão de Bugsy Siegel de uma meca do jogo no deserto vazio de Nevada. O CEO da Sands, Sheldon Adelson, visitou o ambiente pantanoso da antiga Estrada do Istmo em 2002 e idealizou-a como a Cotai Strip, uma avenida magnífica, repleta de hotéis de luxo e casinos, muitos de propriedade de outras empresas, mas todos dentro do seu plano director”, conta o coordenador do Departamento de Arquitectura da Universidade de São José, Thomas Daniell.
Uma originalidade chamada subconcessão
Em poucos anos, após a abertura do primeiro Integrated Resort de Macau, a LVS tornou-se líder do mercado do jogo. Para isso também contribuíram mais dois resorts que a empresa abriu no Cotai, o Sands Cotai Central, que agora está a ser reconvertido para um espaço temático, chamado Londoner, e o Parisian – a LVS e a Galaxy, talvez por terem sido as primeiras operadoras a apostar no Cotai, conseguiram muito mais terrenos do que a concorrência, sendo que a Galaxy ainda está a construir e a tentar tirar partido do muitos metros quadrados que lhe foram atribuídos, e a LVS há muito que tem o capítulo das grandes obras encerrado.
Las Vegas já tinha adjectivado Sheldon Adelson como um visionário. Macau comprovou-o. Dos autocarros grátis com ligação regular aos casinos, que são normais em Las Vegas, mas não existiam em Macau, à empresa de barcos, para não depender exclusivamente dos jetfoils de Stanley Ho, Adelson fez a diferença. E até na maior originalidade do sistema de jogo de Macau, as subconcessões, a LVS está presente: foi à empresa de Sheldon Adelson que o Governo atribuiu a primeira das três subconcessões, depois de desfeita a parceria inicial com a Galaxy.
Em 10 anos, quase 300 milhões de turistas chineses visitaram o maior casino do mundo, que é ao mesmo tempo o maior edifício da Ásia e o 5º maior do mundo, com uma área de 980 mil metros quadrados. Juntando todos os complexos da LVS, o número de visitas ultrapassará nesta altura os 600 milhões. A Sands controla ainda cerca de um terço de todos os quartos de hotel disponíveis em Macau.
“Esta foi a melhor aposta que já fiz na minha vida”, disse Adelson. E os números provam-no: se tudo começou em Las Vegas, a verdade é que as receitas obtidas pelo grupo nos EUA valem apenas 13 por cento. Singapura, onde a LVS tem uma das duas concessões, gera 22 por cento. Os restantes 65 por cento têm origem na RAEM.
O que é que os americanos têm?
Desde que chegou ao topo, a LVS nunca perdeu a liderança, embora tenha que partilhar com a Galaxy o primeiro lugar do operador com mais quota de mercado. Adelson e consumidor chinês criaram uma significativa empatia desde 2004, que nenhum outro concessionário conseguiu até agora desfazer.
A explicação poderá ter a ver com o pioneirismo, mas também com o facto de Sheldon Adelson ter apostado em trazer para Macau as principais características dos seus casinos nos Estados Unidos. Esta história é bem reveladora: conta-se que, antes de abrirem o Sands, diversos colaboradores da LVS percorriam, às mais variadas horas, os principais casinos da SJM para perceberem as suas idiossincrasias.
Uma delas tinha a ver com a cor das carpetes das salas de jogo e do feltro das mesas. No Lisboa e no Jai Alai as carpetes eram pretas e as mesas de um cinzento fosco. Os ‘espiões’ estavam confusos e tinham receio que as cores fossem superstição ou fong-soi. Até que, entre receios, um administrador da LVS decidiu que deveria ser como nos EUA: carpetes coloridas e feltros verdes.
Só mais tarde se descobriu que quer no Lisboa quer no Jai Alai as carpetes também tinham sido, em tempos, coloridas, mas estavam negras porque nunca tinham sido lavadas. Nas mesas, quando novas, também houve panos verdes, mas sujaram-se e estragaram-se e nunca foram substituídas.
Fonte: Ponto Final
REDE DE RESPONSABILIDADE SOCIAL
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