Pacote de medidas no âmbito da nova lei de segurança nos recintos desportivos vai ao Parlamento dia 23. Acabar com a violência é o principal objetivo, conta o secretário de Estado da Juventude e do Desporto, João Paulo Correia. O governo quer ainda “criar uma maior transparência entre os investidores, os clubes e os sócios”.
Uma das prioridades do governo tem sido o combate à violência no desporto. O novo regime jurídico dos explosivos e substâncias perigosas vai ser discutido em Conselho de Ministros e passa a criminalizar a posse desses artigos pirotécnicos em complexos desportivos. Por exemplo, esta ação passa a ser punível com uma pena de prisão até cinco anos. A dias de levar este documento à Assembleia da República para combater a violência no desporto, também tem mostrado outros números históricos de adeptos impedidos pela justiça de entrarem nos recintos desportivos. Este modelo não lhe parece mais reativo e opressivo do que proativo ou preventivo?
O combate à violência no desporto foi identificado como uma das prioridades do governo para o setor e desde os primeiros dias do mandato que foi anunciada a aprovação de novas medidas para combate e prevenção da violência no desporto. E assim foi feito, aprovou um Conselho de Ministros e na próxima semana, dia 23, o Parlamento irá discutir e votar na generalidade essa proposta de lei. Há duas tendências que tinham de ser respondidas urgentemente: a primeira, é que os grandes incidentes no desporto ocorreram fora dos recintos desportivos. A outra tendência que julgo que é do conhecimento de todos os portugueses, é a violência crescente que se vai registando nos jogos das camadas jovens. O que se procurou fazer foi apresentar novas medidas que signifiquem uma maior partilha de responsabilidades. Desde logo, o governo assumir mais responsabilidades, passando também pelos próprios clubes e agentes desportivos e também adeptos. Como é que o governo pode reforçar aquilo que são as suas responsabilidades? Pode dotar a autoridade para a prevenção e combate à violência no desporto de novos meios, e a autoridade tem tido um papel central, tendo sido iniciada a sua atividade em 2019. Apesar de a pandemia ter encerrado os recintos desportivos em 2020 e 2021 por alguns meses, a autoridade apresenta números que chamam à atenção e que revelam alguma problemática. Mas, acima de tudo, não havia autoridade antes desses números, portanto, agora sabe-se que a autoridade atua perante todos os incidentes de violência que se registam em todos os recintos desportivos, de todas as modalidades. Também era importante que as autoridades judiciais e policiais pudessem ter novos meios. Portanto, o novo pacote de medidas investe na prevenção, mas também em medidas de força no capítulo legal e com a constituição das novas tipologias de crime.
Mas essa prevenção entra em que capítulo?
Os números são conhecidos hoje porque existe uma autoridade que atua neste sentido, antes de existir não havia esta estatística.
Existe para reagir?
Para reagir e para prevenir, porque chama-se autoridade para a prevenção, o que significa trabalhar para prevenir acidentes. E a autoridade tem feito um papel que consideramos extremamente positivo. Em primeiro lugar, há ainda a necessidade de continuar a capacitar as forças e os agentes policiais, quer da PSP quer da GNR, quanto à legislação e quanto às faculdades legais que lhes são atribuídas para poderem intervir em contexto de incidentes desportivos. É uma matéria essencial. Por exemplo, há cerca de um mês houve um incidente num jogo de futsal, em que a força policial podia deter o jogador que agrediu o juiz da partida, mas não o fez por défice de informação. Ou seja, esta ação tem levado à formação de centenas de agentes policiais todos os meses e isso faz parte também das atribuições da autoridade. Um outro exemplo tem a ver com a campanha que irá arrancar dentro de algumas semanas, uma campanha massiva junto do público e das camadas jovens, para que saibam estar nos recintos desportivos sem incitarem à violência ou recorrer a manifestações de violência, xenofobia ou até racismo. Além disso, a nova legislação aproveita uma figura que está prevista na lei que é o gestor de segurança. Os clubes terem um colaborador, pode ser um dirigente, um familiar de um atleta ou um associado, que tenha uma formação mínima dada pela autoridade policial local que lhe permita saber como é que recebe uma equipa visitante, como é que recebe os adeptos visitantes, em que horários, que tipo de condições tem de atribuir, em que setores da bancada deve colocar os adeptos, que tipo de mensagem deve ser dada à entrada do recinto desportivo. Portanto, há um conjunto de ações de prevenção que estão a ser desenvolvidas pela autoridade que serão prosseguidas com a nova legislação, reforçando os meios de autoridade também com estes exemplos que acabei de dar. Do lado do combate à violência no desporto, há algumas medidas que vou destacar muito rapidamente. Em primeiro lugar, os adeptos que estão interditos de entrar em recintos desportivos, só estão impedidos de entrar na modalidade em que praticaram infração, mas podem entrar noutras modalidades.
Isso vai mudar?
Sim, vai ser estendido a todos os recintos desportivos, independentemente da modalidade. Atualmente, está interdito aos jogos da modalidade em que cometeu infração, mas a nova medida prevê que o adepto vai ficar interdito de aceder a todos os recintos, de todas as modalidades, durante o período que lhe foi atribuído de proibição. Uma outra medida é que deixará de compensar aos promotores desportivos não facultarem as imagens de vídeo vigilância, o que impede muitas vezes as autoridades policiais de identificarem os infratores. Portanto, a coima aplicada nessas situações será dissuasora e não compensará minimamente a nenhum promotor o não facultar das imagens de videovigilância.
Porque é que isso ainda acontece em Portugal?
Não consigo prová-lo, mas o que é certo é que acontece, até em casos recentes, e as autoridades policiais manifestam essa dificuldade. Essa é uma medida que dota as autoridades policiais de aceder a mais imagens de videovigilância em recintos desportivos onde se praticaram atos de violência.
Disse que a quantia será tão elevada que será dissuasora. De que valores estamos a falar?
Pode chegar até 500 mil euros de coima, portanto, depende se for reincidente e depende da gravidade. Por exemplo, outra medida que consideramos essencial é que, perante a atual legislação que não responsabiliza os clubes visitantes quando os seus adeptos praticam atos de violência, agora será claro na lei que os organizadores das competições terão de penalizar os clubes visitantes quando os seus adeptos, na qualidade de visitantes, pratiquem atos de violência. É também uma forma de dissuadir, além de prevenir.
Citacao”A indústria portuguesa de desporto é muito atrativa (…) contribui muito para o PIB e exportações e é atrativa, porque há poucos setores que consigam rentabilizar tanto a matéria-prima.”
Como é que se penaliza os clubes visitantes?
Por exemplo, quando os adeptos praticam atos de violência, seja física ou atos de incitação à xenofobia ou racismo, na qualidade de adeptos visitantes, isso pode penalizar o seu clube porque atualmente a lei é clara quanto ao clube visitado, mas não quanto aos adeptos e ao clube que visita. Também passará a ser crime o apoio a grupos organizados de adeptos. O que a nova lei passa a determinar é que os clubes têm o direito de apoiar os grupos organizados de adeptos e podem continuar a fazê-los, mas têm de estabelecer um protocolo com todos os grupos, onde devem constar todos os apoios diretos e indiretos aos clubes organizados de adeptos. E nesse protocolo têm de estar identificados os principais responsáveis pelos grupos. Portanto, se atualmente os grupos organizados de adeptos já são associações perante a lei, já têm responsáveis principais. Por questões de transparência, o protocolo deve conter os apoios diretos e indiretos, mas também os responsáveis desses grupos. E todos os apoios que a justiça provar que foram dados a grupos organizados de adeptos que não estão no protocolo, ou dados a grupos que não são grupos organizados de adeptos, será considerado crime e os clubes serão penalizados. Os crimes de dano que estão previstos no código penal, em contexto desportivo, passarão a ser todos crimes públicos, mesmo contra a propriedade privada. Atualmente, na maior parte dos casos, pressupõe queixa do dono para que a autoridade policial possa atuar, mas daqui para a frente todos os crimes de dano previstos no código penal, no contexto desportivo, serão considerados crimes públicos. Por exemplo, em agosto do ano passado ocorreu um incidente nas ruas de Guimarães e houve a perceção de que a autoridade policial não tinha os meios legais para poder agir como todos gostaríamos. Mais, se a força de segurança decidir concluir que esses adeptos são uma ameaça às outras pessoas e ao próprio espetáculo, esses adeptos poderão ser impedidos pelas forças de segurança.
A questão do cartão do adepto não vingou em Portugal, mas continuam a ser aplicados alguns métodos de identificação de adeptos e sócios do clube em zonas do estádio, o que também já levou à separação de membros de claques organizadas. Entende que todo este conceito do cartão do adepto foi mal explicado e mal processado junto do futebol, gerando um descontrolo junto desses adeptos?
O cartão do adepto é passado, foi revogado pela Assembleia da República. Esta legislação não retoma em nada o cartão do adepto. A zona especial de adeptos que é obrigatória em todos os recintos desportivos em que se disputam jogos de risco elevado, prevê que todos os adeptos podem ir para essa zona. Muitos cidadãos acham que só podem ir para essa zona dentro do recinto desportivo se forem das claques, mas qualquer adepto pode ir para essa zona especial de adeptos, desde que exiba o cartão de cidadão à entrada, juntamente com bilhete para entrar. Esta é uma ação simples e que já está na lei, não há qualquer alteração da legislação nesse sentido.
Mesmo assim, obriga a essa identificação. Isso gerou desconforto nos adeptos que gostam de ir para essa zona do estádio?
A grande contestação foi ao facto de os adeptos terem de se inscrever numa autoridade, darem os seus dados pessoais, além dos que constam do registo civil, e terem de ter um cartão na mão e pagar para poderem entrar nessa zona. Essa foi a grande contestação, mas isso caiu. A Assembleia da República, na altura, acolheu essa pretensão de forma consensual e caiu o cartão do adepto. As outras regras não caíram não foi por acaso, não caíram porque há consciência de que é importante esse tipo mínimo de controlo.
Recentemente, foi aprovado em Conselho de Ministros o novo regime jurídico desportivo que contempla regras mais rigorosas para aplicar às SAD – Sociedades Anónimas Desportivas. Como é que se pode fazer essa fiscalização?
O atual regime jurídico, que já tem cerca de dez anos, não tem regime sancionatório na entidade fiscalizadora. Estamos a falar de um setor da atividade económica a que podemos chamar a indústria do desporto, as chamadas sociedades desportivas.
Visitou recentemente algumas SAD para falar com os seus dirigentes. Como é que correu essa ação no terreno?
Vou adiantar as principais medidas nesse aspeto, mas antes disso gostaria de dar um outro número importante: desde 1997, altura em que nasceram as SAD em Portugal, foram criadas pouco mais de 120. Cerca de 20% das sociedades desportivas criadas em Portugal caíram em insolvência ou em extinção e, com isso, arrastaram clubes históricos. O que é certo é que um setor de atividade económica que tem 20% das suas sociedades na falência ou na extinção, significa que tem pouca ou nenhuma regulação.
O principal objetivo é regular esse setor da atividade económica, nomeadamente através do equilíbrio do poder entre o clube fundador e a sociedade desportiva. Depois, tornar o setor ainda mais atrativo para o bom investidor e para o bom investimento, porque em Portugal temos casos de grande sucesso naquilo que são investimentos feitos em SAD. Portanto, quando falo de bons investimentos e bons investidores, refiro-me aqueles que querem investir para rentabilizar e não querem ter uma passagem fugaz no desporto português. Nestas 120 sociedades desportivas, queremos que o setor seja mais atrativo, mas que também haja um regime sancionatório para o cumprimento das regras. Atualmente, o regime jurídico já define um conjunto de impedimentos e proibições, mas não detém regime sancionatório para quem não cumpre as regras. Também não existe nenhuma entidade fiscalizadora que vá ver as denúncias ou as notícias públicas e, por isso, queremos introduzir regras de idoneidade no acesso a acionista qualificado, administrador e gerente de sociedades desportivas. Regras de idoneidade são regras essenciais para o exercício de uma função, regras essas que já são exigidas, mas que não são tão apertadas quanto as da CMVM, por exemplo.
Uma coisa é ter a fiscalização da CMVM nos clubes cotados em bolsa, mas nos que não estão, quem é que vai fiscalizar essas SAD?
Neste momento, a proposta que está na Assembleia da República diz que será a plataforma de combate à manipulação desportiva, que é uma plataforma que o governo está a criar. Mas é evidente que aquelas sociedades desportivas que são reguladas pela CMVM, continuarão a não se aplicar a maior parte destas regras, porque já cumprem regras ainda mais exigentes. Mas estamos a falar de cinco a seis sociedades desportivas nesta situação, ainda sobram as outras mais de 110 que precisam de regime sancionatório e da entidade fiscalizadora que é a futura plataforma de combate à manipulação nas competições desportivas. Além das novas regras de idoneidade, também vão existir novos impedimentos, isto é, tentámos aqui identificar todos os possíveis conflitos de interesse. Por exemplo, quem representa direta ou indiretamente casas de apostas desportivas, quem está no mercado de intermediação de jogadores ou treinadores, quem esteve numa sociedade desportiva que caiu na insolvência e há culpa dolosa por parte desse cidadão, estamos a falar de um conjunto de regras que afastam esses candidatos de serem acionistas qualificados, administradores e gerentes. As sociedades desportivas têm dever de transparência quanto a ser explícito quem são os reais proprietários do capital social e de estar claro quem é o beneficiário efetivo. Além disso, também há os deveres de publicidade, ou seja, os atos de gestão da sociedade têm de ser públicos porque tem de haver cada vez mais confiança entre o sócio do clube e as decisões de gestão da sociedade desportiva.
Citacao”Há deveres de transparência (…) A Plataforma vai estar a funcionar plenamente dentro de três meses.”
Quando é que prevê que a plataforma esteja a funcionar?
Contamos que no máximo em três meses a plataforma já esteja em pleno funcionamento. O objetivo é que este novo regime jurídico das sociedades desportivas entre em vigor momentos antes da nova época desportiva, tendo um período que permita a formação ao público interessado e da própria entidade fiscalizadora. Queremos que isto seja feito com cabeça, tronco e membros, e traz também novidades na matéria de representação de género nos órgãos de administração de sociedades desportivas, no mínimo 33,33% a partir de 2025. Haverá uma terceira forma societária, hoje temos apenas duas, ou sociedades anónimas, ou sociedades unipessoais por quotas em que o clube é o único sócio da sociedade. E há muitos clubes desportivos que até estão nas competições distritais e que rapidamente se transformam em sociedades anónimas.
Mas isso não lhe parece estranho?
Parece, por isso é que criámos uma terceira forma societária.
Uma pessoa que não seja especialista em gestão e economia percebe que é difícil tirar lucro de um clube que joga na distrital ou no campeonato português.
Precisamente, partilho da sua opinião. Por um lado, há aqui uma necessidade de acompanhar uma certa profissionalização do funcionamento das organizações desportivas, mas em vez de os clubes caminharem logo para uma sociedade anónima, caminham para uma sociedade comercial por quotas, ao abrigo do código comercial, e com isso podem ter um ou mais parceiros privados sem evoluírem logo para uma sociedade anónima. E com isso teria sido evitada a extinção ou insolvência de muitas sociedades desportivas que arrastaram para uma situação muito difícil clubes desportivos históricos.
Recentemente, tem entrado investimento estrangeiro nas SAD em Portugal. O Braga com investimento do Qatar e o Vitória de Guimarães também terá, se aprovado, investimento de um fundo que é dono do clube Aston Villa, em Inglaterra. Estas medidas também podem ajudar a trazer esse investimento ou será que esse é também um futuro perigoso para o futebol português?
A partir do momento em que os sócios dos clubes aprovam a constituição de sociedades anónimas desportivas, estão a permitir a empresarialização do seu clube, porque permitem que esse investidor privado tenha a maioria do capital e assim estão a entregar as decisões da política desportiva, principalmente do que é a equipa sénior, nas mãos de um investidor particular. Esta nova legislação vem criar mecanismos em que só pode ser investidor qualificado dos clubes quem reúne o mínimo de condições de idoneidade, quem afasta conflitos de interesses e quem sabe que a futura administração terá de prestar deveres de transparência e também de publicidade relativamente aos atos de gestão que dão mais garantias aos associados. Por exemplo, há uma nova medida emblemática, inspirada na legislação inglesa, em que as assembleias gerais dos clubes podem eleger um associado com assento na administração da sociedade desportiva, sem direito a voto, mas com direito a participar em todas as reuniões. Além dos novos deveres de transparência, os sócios dos clubes poderão ter um representante seu, que não é alguém escolhido pela direção do clube, com assento na administração e com direito a participar em todas as reuniões e transportar essas informações para os associados. A indústria portuguesa de desporto é muito atrativa, é um setor que consegue rentabilizar muito a sua matéria-prima. Contribui muito para o PIB e para as exportações e em mercados muito distintos, e é naturalmente atrativo porque há poucos setores de atividade que consigam rentabilizar tanto a matéria-prima. A partir do momento em que aqueles que se interessam por ser acionistas qualificados de uma sociedade desportiva em Portugal, têm de prestar à CMVM prova de que cumprem os requisitos mínimos. Com a nova legislação, no caso do segundo clube que mencionou, não sendo regulado pela CMVM, terá de ir prestar essas provas à futura plataforma que será a entidade fiscalizadora. Se passar na prova prestada, aí sim, os sócios do clube terão garantias mínimas.
A propósito da centralização dos direitos desportivos no futebol português, isto também foi tema quando visitou os dirigentes? Os clubes e a Liga têm capacidade de antecipar essa medida para antes de 2028?
Essa é uma matéria que é de grande interesse para todas as sociedades desportivas da primeira liga e também da segunda. O decreto-lei que está em vigor, que fará dois anos agora em março, determina que até ao final da época 2025/2026, a Federação Portuguesa de Futebol e a Liga Portugal terão de apresentar uma proposta à autoridade da concorrência, que terá de se pronunciar. Isto para que, a partir da época 2027/2028, avance a chamada centralização dos direitos televisivos e multimédia.
E foi até criada uma empresa chamada Liga da Centralização, certo?
Isso é uma decisão da liga e terá de questionar mesmo a Liga Portugal nesse sentido. Mas claro que o autor da legislação, o governo, pretende com isso que haja uma maximização da receita que deriva da centralização dos direitos televisivos a favor de todos os clubes da primeira e segunda liga.
Mas a meta não será antecipada, então?
Não lhe consigo responder a isso.
Daquilo que tem percebido junto dos dirigentes, o dossiê está bem encaminhado?
Sei que todos os dirigentes estão empenhados nesse dossiê, portanto, quando houver novidades a Federação Portuguesa de Futebol e a Liga Portugal serão os primeiros a dar essas novidades.
Estamos a falar de vários casos de violência desportiva, de alterações à lei e, recentemente, houve mais um caso de uma decisão de um tribunal civil que interferiu numa decisão da justiça desportiva, o caso Paulinho com a suspensão dos jogos de castigo através de uma providência cautelar. Mais uma vez, este episódio aconteceu com recurso ao Tribunal Arbitral do Desporto, não acha que é necessário encontrar um outro modelo para lidar com situações como esta?
Não comento casos concretos, mas a pergunta que coloca tem a ver com a arquitetura da justiça desportiva e com o funcionamento do Tribunal Arbitral do Desporto. Neste momento, não está em cima da mesa qualquer reforma desse tribunal, assim como também não recebi nenhuma proposta nesse sentido. É o que posso dizer relativamente à sua pergunta.
Mas nunca recebeu críticas?
Recordo que Pedro Proença, presidente da Liga, pede uma reformulação ou mesmo a extinção desse tribunal.
Na altura respondi a essa crítica em concreto, mas respondi que se existe vontade de alguma entidade em mudar, é preciso conhecer uma proposta em concreto.
O Conselho de Disciplina da Federação coloca até em causa o não conseguir informar os clubes dos castigos, se os clubes continuarem a insistir neste recurso. Isto não poderá estar também a adulterar a verdade desportiva?
O Tribunal Arbitral do Desporto foi criado na Assembleia da República, até transitou de uma legislatura para a outra, mas obviamente tinha alguns objetivos principais, como a celeridade dos processos, a especialização da decisão e até, na altura, a primeira versão da lei não queria uma entidade de recurso. O Tribunal Constitucional é que veio declarar essa norma inconstitucional e, portanto, desde há muito que se procura encontrar uma solução que responda e elimine aquilo que vai sendo considerado como pedras no caminho da justiça desportiva. Mas, como disse, a reforma do Tribunal Arbitral do Desporto não está em cima da mesa e também não recebemos nenhuma proposta nesse sentido. Às entidades e responsáveis que se manifestam publicamente, o governo pede que façam chegar as suas propostas.
E se chegarem as propostas?
Serão analisadas. Estamos com quase 11 meses de mandato e não tenho nenhuma proposta em cima da mesa sobre essa reforma. Estou atento e o governo está muito atento a todas as situações ou casos, mas no dia em que decidir reformar o tribunal, será comunicado.
Há dias, o Sindicato dos Jogadores pediu um salário mínimo de 2280 euros para as jogadoras de futebol em Portugal, o mesmo valor que está no acordo coletivo de trabalho do jogador masculino. São números realistas, tendo em conta que há poucos clubes profissionais de futebol feminino em Portugal? Não teme que estas medidas que estão a ser discutidas, perante também as questões de igualdade de género, possam afastar algum investimento de clubes que não tenham essas verbas disponíveis?
Há uma semana, o grupo de trabalho para a igualdade de género criado pelo governo apresentou o diagnóstico da igualdade de género no desporto, assim como um conjunto de recomendações ou medidas que o governo, a Assembleia da República, os clubes e organizações desportivas devem implementar até 2026 ou entre 2026 e 2029. A proposta do Sindicato de Jogadores não faz parte do conjunto de medidas e não é por acaso. É uma proposta que se calhar está a iniciar o seu caminho, é legítima, mas estamos a falar de uma competição que não é profissional. Só às competições profissionais é que são aplicados um conjunto de deveres, mesmo em matéria laboral. Portanto, é preciso haver aqui uma evolução no figurino e é evidente que também faz a sua pergunta da perspetiva de quem acompanha o desporto e sabe da dificuldade em implementar essa medida. É uma medida legítima e que faz o seu caminho, mas para a sua implementação tem de ter este enquadramento de competição profissional. Na primeira e segunda ligas há um nível de profissionalismo e de empresarialização da atividade, a que é atribuída um conjunto de obrigações e deveres aos organizadores por parte do Estado.
Ainda assim, acha que Portugal está a caminhar para um processo como a Federação de Futebol do País de Gales fez, que igualou os prémios monetários para o futebol masculino e feminino?
Estamos a falar de proporcionalidade.
Citação “É importante que as mulheres no desporto também cheguem aos lugares de poder no desporto, não é só no número de atletas (…) entre árbitras e treinadoras o número também é escasso.”
Mas aqui a questão foi outra, os próprios jogadores de futebol masculino é que baixaram os valores para se igualarem com o futebol feminino. Será o caminho?
A mim custa-me falar de igualdade de género no desporto e falar apenas de futebol. As medidas que foram apresentadas foram para o desporto português, embora o futebol seja a modalidade rainha, é a modalidade que tem mais de 190 mil praticantes, no total de 690 mil a 700 mil, portanto, domina o número de atletas federados. Mas o grupo de trabalho para a igualdade de género no desporto apresentou medidas para todas as modalidades e dimensões. É importante que as mulheres no desporto também cheguem aos lugares de poder no desporto, não é só no número de atletas, porque aí Portugal até tem uma percentagem próxima da média europeia. Não é no número de atletas que existe um défice que levasse o governo a criar um grupo de trabalho, mas sim nos lugares de poder do desporto. Temos 60 federações desportivas com utilidade pública, dessas 60 só três é que são presididas por mulheres. Se formos ver o número de árbitras ou treinadoras, vemos que ainda é muito escasso e também na imprensa ainda há um longo caminho a fazer para que em todos os painéis de debate tenhamos mais mulheres presentes, ou seja, que haja uma quota de género mínima.
Quanto aos prémios e aquilo que foi apresentado pelo grupo de trabalho, fala-se de proporcionalidade, o que significa que a igualdade de prémios, hoje instituída em algumas federações de algumas modalidades de outros países, nasce muitas vezes do acordo entre atletas masculinos e femininos. Aquilo que ficou definido é a proporcionalidade e isso tem muito a ver com a participação das seleções nacionais nos campeonatos do mundo ou da Europa, onde essa participação é remunerada. Aí, defendemos que a percentagem do prémio dado a atletas masculinos e femininos seja igual para os dois.
Posso destacar duas ou três medidas que foram apresentadas que me parecem essenciais e transversais. Primeiro, queremos chegar a 2029 com 40% de quota de género em todas as entidades ligadas ao desporto com utilidade pública. Outra medida essencial é aumentar drasticamente o número de mulheres como treinadoras e árbitras e, para isso, haverá um incentivo público por parte do IPDJ às federações para assegurar a inscrição de mulheres nos cursos de arbitragem e treinador de primeiro grau. Assim como no alto rendimento é muito importante, porque há muitas mulheres que na altura da maternidade abandonam ou têm uma quebra no seu alto rendimento desportivo. Isso acontece porque quando a atleta não tem contrato de trabalho, significa que na altura da licença de maternidade e nos meses subsequentes, não há um apoio no montante da remuneração. E uma das medidas é que exista esse apoio, porque assim permite manter as mulheres do alto rendimento na altura da maternidade e pós-maternidade. É uma medida que também consideramos emblemática. O governo aprovou o maior aumento no financiamento à preparação olímpica e paraolímpica, estamos a falar de 31,2 milhões de euros até 2024, é o maior de sempre. Os ganhos que resultam desde aumento são, em primeiro lugar, que os atletas e treinadores que estão em preparação olímpica e paraolímpica recebem uma bolsa que vai dos pouco menos de mil euros até aos três mil euros, depende dos atletas. O aumento dessas bolsas será na ordem dos 20% para 2024. O número de participação de atletas em estágios nacionais, internacionais e provas de qualificação para os jogos irá aumentar, porque haverá mais verbas para financiar a participação dos atletas. Um outro fator importante é o chamado investimento nas esperanças olímpicas, isto é, já estamos a preparar Los Angeles 2028 e os jogos olímpicos de 2032. É preciso investir nesta nova geração que, embora não se qualificando para os jogos olímpicos e paraolímpicos, estão a preparar-se no alto rendimento. Isto também permite uma outra medida que é muita justa que é uma bolsa de continuidade. Um atleta que vai aos Jogos e que tenha o azar de ter de desistir da prova ou não conseguir o resultado mínimo, não perde a bolsa nos meses a seguir aos jogos. E os nossos atletas paraolímpicos, durante quatro anos, receberão pela primeira vez a mesma bolsa dos atletas olímpicos. O que está por de trás dos grandes êxitos internacionais desta nova geração são as unidades de apoio ao alto rendimento, um programa de sucesso que é visto até na União Europeia como um caso que tem de ser replicado todos os países, onde estão todos esses jovens atletas e em que o Estado alargou a rede de 19 para 23. São alunos entre os 5.º e 12.º anos de escolaridade, que são atletas de seleção ou de pré-seleção, de 46 modalidades. Temos mil atletas destes nesta rede de 23 que vai de Mirandela até Lagos, onde os jovens podem conciliar a carreira académica e desportiva, não abandonando o seu alto rendimento desportivo.
Este investimento olímpico vai exigir resultados junto das federações? Aponta para quatro medalhas em Paris 2024. É realista?
É um número realista e está no contrato assinado com o IPDJ. Sempre houve uma exigência perante as federações, mas queria dar um enfoque não nas medalhas, mas acima de tudo na comitiva, que seja mais numerosa, que tenha muitos jovens desportistas a ir pela primeira vez aos Jogos e que seja mais diversificada. Se olharmos para a comitiva em 2024 e verificarmos que é mais numerosa e muito diversificada, isto significa que teremos uma aposta ganha e que estão lançadas as bases para o futuro do desporto português.
O financiamento do desporto em 2022 ascendeu aos 162,6 milhões de euros, uma verba superior aos orçamentos do passado. Mas, olhando em pormenor, a maior fatia vem das apostas desportivas. São as apostas que ainda sustentam o desporto em Portugal?
As apostas desportivas estão canalizadas para o desporto e resultam de dois decretos-lei de abril de 2015, que depois foram regulamentados por duas portarias que foram publicadas a poucos dias das eleições legislativas de 2015. Foi uma decisão do governo na altura e acredito que nessa altura não admitiam a hipótese de em 2022 as apostas desportivas chegarem a 62 milhões de euros. Foi uma decisão tomada com essa pressa e dentro de um défice de informação tão grande que, pela primeira vez em 2023, foram divulgados publicamente – a pedido do Parlamento -, todos os dados de financiamento do Estado ao desporto. O Estado assegurou 41 milhões de euros de financiamento no desporto escolar e assegurou também através dos 62 milhões das apostas desportivas e o restante é o apoio do IPDJ.
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Fonte: Diário de Notícias