Portugal: Empresas obrigadas a vigiar mais o branqueamento de capitais

A lista de obrigações que as empresas vão ter de cumprir para despistarem os riscos de terem um cliente que está a lavar dinheiro vai crescer e muito. Sector...

A lista de obrigações que as empresas vão ter de cumprir para despistarem os riscos de terem um cliente que está a lavar dinheiro vai crescer e muito. Sector imobiliário, advogados, consultores fiscais, contabilistas, comerciantes, leiloeiras e casinos enfrentarão exigências semelhantes às da banca.

Lista de Obrigações

Vigiar os clientes e interrogá-los em caso de suspeita sobre a origem do dinheiro. Ter bases de dados com o nome de políticos, juízes de tribunais superiores, vereadores e autarcas, altas patentes das forças armadas, administradores de empresas públicas e municipais (e familiares), e fazer-lhes um escrutínio mais apertado. Ter bases de dados com os nomes das pessoas sancionadas pela União Europeia e a ONU e garantir que nada lhes é comprado ou vendido. Dispor de um plano robusto de prevenção interna do branqueamento de capitais. Dispor de um “compliance offieer”, isto é, um funcionário, independente da administração, com a função de garantir que estas regras todas se cumprem, dar formação regular aos funcionários sobre as regras. Ter bases de dados seguras e fiáveis que armazenem informação pessoal sobre os clientes durante sete anos. Estes são exemplos de algumas das obrigações que até aqui estavam reservadas ao sector financeiro, mas que, a partir de Novembro, vão ser exigidas a todas as entidades obrigadas a prevenir o branqueamento de capitais.

O novo diploma vem ampliar muito as obrigações das empresas para despistarem os riscos de terem um cliente que está a lavar dinheiro. Além de se alargar o seu âmbito a mais sectores – por exemplo, passam a estar abrangidas todas as entidades que exerçam uma qualquer actividade imobiliária – as regras passam a ser mais exigentes para todos.

Os procedimentos concretos ainda terão de ser regulamentados pelas entidades de fiscalização sectorial, mas o guião está definido: sector imobiliário, do jogo, comerciantes, leiloeiros, advogados, consultores fiscais, contabilistas, entre outros, que até aqui já tinham obrigações preventivas, mas mais ligeiras, vão ter de passar a cumprir regras semelhantes às que estavam apenas reservadas à banca. Tudo procedimentos exigentes em termos de estrutura organizativa e dispendiosos, sobretudo para as empresas de pequena dimensão.

Nos escritórios de advogados ainda se digerem as novas regras até porque, nas palavras de Filipa Marques Júnior, da Morais Leitão, “isto não uma lei, é um código”. Mas uma coisa parece certa: as obrigações são tantas que “as entidades não estão preparadas para aplicar a Lei”,  diagnostica Tiago Ponces de Carvalho, da Abreu. Desde logo porque ainda não as conhecem, depois porque não se adequam à realidade empresarial e, noutros casos, porque são ambíguas. “Agarrou-se numa directiva e fez-se uma transposição literal em vez de aplicar-se à realidade específica de cada país”, lamenta. Desta opção resultam “cláusulas gerais muito abertas. E quando se pune tão pesadamente – temos um regime sancionatório que pode ir até 5 milhões de euros nas pessoas colectivas e 1 milhão de euros nas singulares – não pode haver tantos conceitos indeterminados”, aponta o advogado.

É por isso que, se em Novembro, altura em que a nova Lei entra em vigor,”as entidades competentes (os reguladores sectoriais que fiscalizam a aplicação das normas) entrarem nas empresas obrigadas, não fazem outra coisa que não seja passar contraordenações”, garante Filipa Marques Júnior, que lembra que a banca teve muitos anos para se adaptar a estas regras.  “A única maneira de se ser coerente é reconhecer que isto é muita coisa e que vai demorar muito tempo. É preciso que as entidades obrigadas estejam conscientes das obrigações que têm e que comecem por dar formação”.  A favor deste argumento vem também o dinheiro. “0 investimento necessário é uma coisa significativa e as demais entidades obrigadas não têm a estrutura das entidades financeiras”, alerta.

As entidades não estão preparadas. (…) Quando se pune tão pesadamente, não pode haver tantos conceitos indeterminados. TIAGO PONCES DE CARVALHO (Advogado na Abreu Advogados)

O investimento necessário é uma coisa significativa e as entidades obrigadas não têm a estrutura das financeiras. FILIPA MARQUES JÚNIOR (Advogada na Morais Leitão)

Comércio alarmado com mudança de última hora

Até aqui, só comerciantes que vendessem bens em dinheiro acima de 15.000 euros tinham de prevenir o branqueamento de capitais. De futuro serão todos sem excepção, alerta a ANUSA.

Grandes ou pequenos, vendam bens correntes ou de luxo, todos os comerciantes que recebam pagamentos em numerário vão ter de sujeitar-se às novas regras de prevenção do branqueamento de capitais. As obrigações parecem exageradas mas resultam de uma leitura literal da Lei e estão a deixar alarmados alguns sectores do comércio, para quem as exigências são incomportáveis”,”inviáveis” e até impossíveis de fiscalizar. A esperança recai agora sobre a ASAE, que em sede de regulamentação poderá por alguma ordem na confusão gerada por um retoque legslativo de última hora.

Até aqui, só os comerciantes que vendessem bens de valor superior a 15.000 euros, através de numerário, eram obrigados a dispor de mecanismos de prevenção da lavagem de dinheiro.  Na transposição da quarta directiva, a ideia era manter o perímetro das obrigaçõcs ao mesmo tipo de lojas (essencialmente as que vendem bens de luxo), baixando ligeiramente o patamar para os 10.000 euros, mas uma alteração de última hora, aos artigos 4º e 23° da Lei 83/2017 eliminou  todas as restrições, com o argumento de que era preciso hannonizar as regras com a proibição de pagamentos em numerário acima de 3.000 euros.

Luís Lopes, presidente da Associação Nacional do Comércio e Valorização do Bem Usado (ANUSA), que lançou o alerta,diz ao Negócios que a sua “primeira perplexidade deriva do facto de a alteração ter sido feita pelos serviços do Parlamento”. Os serviços intervêm nas leis para pequenos retoques técnicos, mas, neste caso, acabaram por fazer uma alteração substancial, e “inviável”.

O diploma dá margem de manobra às empresas, aos dizer que as obrigações têm de ser adaptadas ao “grau de risco”, àdi montão e à complexidade das operações, mas, seja como for, obriga à existência de um sisternade controlo interno, à formação regular dos trabalhadores, e à existência e manutenção de bases de dados (ver texto principal). Também decorre do novo diploma que os comerciantes terão de preencher fichas com a identificação de todos os clientes que façam uma compra acima de 15.000 euros, mesmo que ela seja paga por cheque ou transferência bancária. Uma obrigação que “afecta a relação comercial com o cliente”, garante Luís Lopes, para quem estas exigências são contra-natura no caso do sector do comércio.

O responsável espera que a ASAE, em sede de regulamentação, possa remediar o problema limitando substancialmente o âmbito de aplicação do diploma,  porque estas”medidas têm custos financeiros e organizativos incomportáveis para a estrutura da grande maioria das micro e médias empresas do comércio retalhista”,e, mais do que isso,”são impossíveis de fiscalizar”.

Outras novidades das regras do branqueamento de capitais.

A transposição da quarta directiva de prevenção do branqueamento de capitais traz várias novidades face às regras actuais e obrigações mais amplas e exigentes para os operadores económicos. Deixamos uma sistematização das principais, que já fomos noticiando ao longo dos últimos meses.

EMPRESAS OBRIGADAS A REVELAR OS SEUS VERDADEIROS DONOS

As empresas vão ter de preencher periodicamente um formulário indicando os seus sócios e o nome das pessoas singulares que detêm o seu controlo – os chamados beneficiários efectivos. Os sócios que não colaborem no processo poderão “perder” a sua participação social para a participada. O mesmo se aplicará a fundações, associações, trusts e sociedades financeiras exteriores, num processo que envolverá dezenas de milhares de entidades e que levará à constituição do Registo Central do Beneficiário Efectivo, uma mega base de dados cujo objectivo é reduzir os negócios com testas-de-ferro. Esta base de dados será parcialmente pública, podendo os cidadãos saber quem é o detentor último de uma entidade. As novas regras entram em vigor em Novembro.

ESCRITURAS DE IMÓVEIS VÃO TER DE MENCIONAR O MEIO DE PAGAMENTO

Cheque ou transferência? Notários e conservadores terão de incluir nas escrituras o número das contas bancárias e dos cheques usados nas transacções imobiliárias. Os agentes imobiliários também terão deveres reforçados de comunicação, que passam a abranger arrendamento acima de 2.500 euros. O objectivo é reduzir os negócios simulados e facilitar a vida às autoridades de investigação, num sector especialmente propenso à lavagem de dinheiro. As regras também entram em vigor em Novembro.

FISCO OBRIGADO A CEDER DADOS À JUSTIÇA

Polícia Judiciária e Ministério Público vão poder aceder a toda e qualquer informação fiscal para despistarem suspeitas de lavagem de dinheiro. O Fisco, que tradicional mente é relutante a ceder informação, vai ter de fornecê-la. Em contrapartida, poderá aceder á nova base de dados de beneficiários efectivos – e tem de verificar se ela está actualizada.

PESSOAS POLITICAMENTE EXPOSTAS: LEQUE DE ABRANGIDOS ALARGA-SE

O conceito de pessoa politicamente exposta, isto é, indivíduos/clientes que têm de ter um acompanhamento especial por teoricamente estarem mais expostos a riscos de branqueamento, é alargado. Autarcas, vereadores, antigos conselheiros de Estado e seus familiares são exemplos de pessoas que passam a exigir mais cuidado por parte da banca, imobiliário e outras entidades.

PAGAMENTOS EM NUMERÁRIO LIMITADO A 3.000 EUROS

Já a partir desta quarta-feira passa a ser proibido a um residente em Portugal fazer pagamentos em dinheiro vivo num valor igual ou superior a três mil euros, ficando sujeito a uma multa que vai dos 180 a 4300 euros. A proibição inclui empréstimos, mas exclui donativos. Os não residentes têm um limite maior, de 10.000 euros. Esta questão foi legislada à parte.

ACÇÕES AO PORTADOR COM FIM À VISTA

Também tratados em legislação autónoma mas relacionada com estas questões estão os títulos ao portador. A sua emissão está proibida desde Maio. A conversão das actuais em títulos nominativos é para avançar proximamente.

Fonte: CISION/Jornal de Negócios

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