Portugal: Pela verdade desportiva

Há muitos homens bons que tentaram lutar contra esta maré de corrupção e de corruptela da verdade desportiva que foram, na maior parte dos casos, marginalizados, despedidos, presos ou...

Há muitos homens bons que tentaram lutar contra esta maré de corrupção e de corruptela da verdade desportiva que foram, na maior parte dos casos, marginalizados, despedidos, presos ou mortos

Cálculo da probabilidade de fraude

O OBEGEF acaba de publicar um modelo sobre a fraude no futebol, centrado na actuação do árbitro visando um resultado favorável de uma das equipes, matematicamente testado com os dados do campeonato italiano julgados em tribunal: https://obegef.pt/wordpress/?p=41523. Na sequência deste trabalho ‒ que mostra a utilidade da matemática no cálculo da probabilidade de fraude ‒ procuraremos em breve analisar a situação em Portugal.

Antes, contudo, de esboçarmos algumas considerações adicionais sobre este conceito, explicitemos o significado do título em epígrafe.

Fraude no desporto

De entre o conceito genérico de fraude no desporto importa distinguir duas situações totalmente diferentes: a) Fraude nas instituições desportivas ; b) Fraude na prática desportiva.

As instituições desportivas (de clubes a federações, de grupos de adeptos a agentes desportivos, de associações diversas a estruturas públicas, de organizadores de eventos a órgãos de informação, entre outros) como todas as instituições estão quase sempre sob o risco de fraude: fraude interna na sua tipologia habitual (apropriação indevida de activos, corrupção e relatórios de contas fraudulentos), fraude fiscal e corrupção institucional e política. Contudo, como se diz no referido trabalho “A profissionalização da atividade desportiva, a transformação de muitos clubes desportivos em empresas capitalistas que procuram essencialmente o lucro, o envolvimento de elevados recursos públicos – nomeadamente em grandes empreendimentos –, a multiplicidade de atividades económicas satélite, o volume de recursos financeiros envolvidos e a intangibilidade de muitos dos objetos de negócio” fazem com que o risco de fraude aumente e o branqueamento de capitais assuma proporções particularmente relevantes (ver https://obegef.pt/wordpress/?p=925, que ainda mantém toda a actualidade). Concomitantemente, o estatuto social que o desporto comporta às suas figuras proeminentes e a relativa impunidade que o apoio popular lhes transmite fazem com que o desporto seja utilizado pelas elites criminais (interligadas ou não com o crime organizado transnacional) como apoio para outro tipo de actuações criminais.

Abrangendo todos os tipos de desportos, para algumas fraudes os holofotes da popularidade são fundamentais, enquanto para outras a menor visibilidade e fiscalização são decisivos.

Há contudo, uma tendência para relacionarmos de imediato fraude no desporto como a manipulação da prática desportiva, a viciação dos resultados. Também aqui as fraudes podem ser várias e os critérios de classificação podem ser variegados, mas, colocando de lado muitas facetas oportunistas ou individuais, há dois tipos essenciais, segundo os fins: a) obtenção de resultados desportivos favoráveis (por dopagem ou pela corrupção dos adversários); b) obtenção de ganhos em apostas.

A corrupção associada a estes procedimentos tem diferentes agentes intervenientes conforme visem um fim ou outro (por exemplo, enquanto o árbitro pode ser uma figura central no primeiro tipo, já no segundo serão os jogadores) e conforme sejam desportos individuais ou colectivos. Também a forma de corromper terceiros pode ser variada (do contacto directo ao indirecto), assim como as condições apresentadas ao corrompido e o grau da sua aceitação pessoal (da obtenção de uma massa monetária adicional à ameaça contra a sua vida e a dos familiares). Uma coisa é certa: a organização da corrupção exige frequentemente esquemas organizativos complexos, havendo provavelmente o envolvimento da criminalidade organizada transnacional.

Poder-se-ia admitir que a obtenção de resultados desportivos favoráveis visasse sobretudo eventos desportivos específicos (jogos decisivos) mas a realidade é diferente: a viciação ao longo da época funciona como uma forma de encobrimento da fraude. Quanto à fraude por causa das apostas (legais ou ilegais) é permanente, envolve muitos eventos e é planetária. Como diz Hill (Máfia no futebol) a corrupção desportiva associada às apostas é uma indústria de arranjadores e ganhos, onde existem “centenas de jogos arranjados em dezenas de países por todo o mundo”, envolvendo “espancamentos, raptos e assassinatos”, podendo-se também encontrar “homens bons que tentaram lutar contra esta maré de corrupção e que foram, na maior parte dos casos, marginalizados, despedidos, presos ou mortos”. E tudo isto envolve, de forma continuada milhares de milhões de euros!

Da probabilidade de fraude à fraude

Voltemos ao conceito de probabilidade, tomando dois exemplos de aparente evidência de um último jogo de futebol de um qualquer campeonato em que a equipe A tem de ganhar para garantir o primeiro lugar, avisando desde já que qualquer semelhança com a realidade é pura coincidência.

Primeira situação:

– De múltiplas jogadas que podiam ter dado golo de A e que não se concretizaram por qualquer razão, no fim do tempo regulamentar apenas ganhava por 1-0. No prolongamento um médio, que costumava ser goleador, mas que nesse jogo falhou sempre, passa tão desajeitadamente a bola a um defesa que funcionou como a entrega a um adversário que aparece isolado junto do guarda-redes.

– Há a probabilidade desse médio ter sido «corrompido» por entidades interessadas na derrota da equipe A. Essa probabilidade pode ser maior ou menor conforme o comportamento desse jogador durante todo o jogo, pelas diferenças de desempenho em relação a jogos anteriores, eventualmente por histórias da sua vida pessoal que o pudessem afectar psicologicamente. Contudo, a consideração de todos esses aspectos não permite em qualquer momento afirmar que aquele jogador foi corrompido, que houve fraude para a viciação do resultado.

Segunda situação:

– Faltam dez minutos para terminar o jogo e é preciso a equipe A marcar mais dois golos para ganhar o campeonato, já que a equipe adversária desperdiçou a única oportunidade flagrante de golo rematando ao lado da baliza. Canto a favor de A e eis senão quando, por infelicidade, um defesa faz autogolo. Mesmo assim ainda falta um golo para haver a diferença desejada. O árbitro dá quatro minutos de descontos e ao segundo um avançado de A simula ter sido carregado na grande área e, apesar das dúvidas sobre a veracidade da fraude, o árbitro marca grande penalidade, que é convertida. A equipe A ganha o campeonato.

– Há várias probabilidades de «compra» de intervenientes no jogo: o(s) avançado(s), o(s) defesa(s) e o guarda-redes do adversário; o avançado simulador de A e o árbitro, pelo menos. Evitando os argumentos anteriormente referidos é fácil concluir que há essas probabilidades mas também pode acontecer que, apesar disso, não haja qualquer fraude nos resultados obtidos.

Realidade e clubismo

Em síntese. Conhecer as probabilidades de fraude desportiva utilizando modelos testados pode ser muito útil mas não é suficiente para permitir concluir que houve viciação de resultado. Pode ser particularmente útil para recentrar as investigações do Ministério Público e das polícias no que revela maior probabilidade.

Por isso deixamos uma dúvida: será útil publicitar um barómetro de probabilidade de fraude desportiva quando nos diversos debates sobre o assunto há tanta irracionalidade, clubite aguda e incapacidade de discernimento?

Fonte: Visão

REDE DE RESPONSABILIDADE SOCIAL 

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