Portugal: Cafés vendem passwords para apostas online ilegais

Autoridades que investigam fuga ao fisco dizem que esta prática existe em todo o país. Rende muito dinheiro e o Estado nada recebe O jogo ilegal está a aperfeiçoar-se...

Autoridades que investigam fuga ao fisco dizem que esta prática existe em todo o país. Rende muito dinheiro e o Estado nada recebe

O jogo ilegal está a aperfeiçoar-se a uma velocidade tal que as autoridades têm dificuldade em detetar os terminais e os apostadores: a tendência mais recente passa pela utilização de sites idênticos aos das casas de apostas legalizadas em estabelecimentos comerciais, sobretudo cafés, onde os jogadores recebem um login que lhes vai permitir fazer as suas apostas.

O fenómeno já se sente em todo o país e são sobretudo os jovens que apostam no jogo online. Os mais velhos continuam a preferir as máquinas também proibidas pelo Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos. Mas como a entrada nos sites pode ser efetuada em qualquer dispositivo – seja computadores fixos ou portáteis, tablets e smartphones – e em qualquer local, torna-se cada vez mais difícil às autoridades porem fim a estas organizações, como adiantou ao DN fonte da Unidade de Ação Fiscal da Guarda Nacional Republicana.

Ao mesmo tempo o Estado perde milhões de euros em impostos que não cobra, embora as autoridades não consigam estimar as receitas geradas pelo jogo ilegal em Portugal. Esta unidade da Guarda, com competência específica na investigação às fraudes tributárias, entre 2016 e 2017, desmantelou três organizações que, em conjunto, obtiveram 35 milhões de euros de receita bruta. Uma delas, num único ano, obteve 17 milhões de rendimento a partir da exploração do jogo ilícito.

“Temos notado que os esquemas fraudulentos estão cada vez mais complexos com recurso a plataformas eletrónicas que conseguem gerar lucros muito maiores do que acontecia até há algum tempo”, reconheceu em declarações ao DN fonte da Unidade de Ação Fiscal da GNR. São esquemas de jogo em que há uma ligação em rede, como explica: “São apostas desportivas online paralelas, exploradas em rede. Têm um servidor – normalmente instalado fora do território nacional -, a que outros computadores são autorizados a ligar-se. Quem tem as senhas de acesso entra no site e joga. Há ainda um esquema de apostas desportivas idêntico ao Placard [o jogo explorado pela Santa Casa da Misericórdia de apostas desportivas]. E raspadinhas ilegais”.

“É quase como se estivesse a jogar em casas de apostas online legais. Este sistema ilegal dá para jogar slot machines, fazer as apostas e não só no futebol. Também pode ser póquer, corridas de cavalos, etc.”, acrescentou o investigador.

Dois mil euros por dia

A evolução da máquina que estava no café e que o dono podia transformar num dispositivo de jogo, para a possibilidade de apostar em rede sem ser nas casas legalizadas é considerada “uma grande inovação”. “Estão [as organizações que lideram estes processos] cada vez mais próximas de dispersar o local de jogo – pode ser em casa, no café ou em outro local, desde que exista ligação à net”.

Segundo a Guarda, esta tendência de jogo ilegal está espalhada por todo o país e pode ser bastante rentável. “Por exemplo, numa aldeia do Alentejo uma máquina que estava lá conseguia dois mil euros por dia. Agora, a grande maioria existe nos grandes centros urbanos, de norte a sul”, sendo os lucros muito maiores e difíceis de projetar. Até porque há um aumento da utilização de tablets e computadores portáteis, ligados a impressoras wireless, o que torna a ação policial mais difícil, pois é mais complicado detetar quem e onde está a fazer apostas.

O esquema é simples: “O jogador vai ao estabelecimento em que o dono tem o perfil de administrador e este cria uma conta para o cliente, que paga dez, 20 ou 30 euros e fica com esse crédito. A partir daí pode jogar onde quiser e se tiver prémios vai recebê-los junto de quem lhe criou a conta”, adiantou um dos investigadores com quem o DN falou.

Multas pouco dissuasoras

Estas organizações são muito profissionais – podem até explorar empresas com atividades legais, como uma que operava em Santarém, Lisboa, Évora e Algarve e que tinha como negócio legítimo fornecer matraquilhos e jogos de setas para cafés (ver texto secundário) – e prestam todo o apoio aos seus distribuidores. “Até lhes garantem proteção jurídica. Dizem aos donos das casas que se lhes apreenderem as máquinas, ou um computador, eles colocam outro.”

A questão jurídica é, aliás, um dos temas mais complexos que envolve o combate ao jogo ilegal. Na grande maioria dos casos, as pessoas que são presentes a tribunal acabam por pagar uma multa pouco expressiva para os valores envolvidos neste negócio. “O lucro é muito grande e as coimas pequenas. Por vezes rondam os 500/600 euros”, acrescentou o elemento da GNR.

Uma situação que o presidente do Sindicato do Ministério Público reconhece e que diz não ser um problema apenas do combate ao jogo ilegal. “Na minha opinião é uma questão que se aplica a grande parte dos crimes de multa”, frisou António Ventinhas. “Na grande parte dos crimes as multas são uma pena mais branda do que muitas contraordenações. Entre um condutor apanhado com um grama por litro de álcool no sangue e um com 1,3 gramas por litro, na prática o primeiro pagará uma coima maior do que a multa do segundo porque o sistema contraordenacional é mais duro. Pode ser 500 euros para o primeiro e 300 para o segundo. O direito contraordenacional é muito mais duro”, sublinhou, frisando que tem alertado para a diferença entre os dois sistemas. Quanto ao caso específico das multas aos arguidos por exploração do jogo ilegal, salientou que “regra geral não têm condições sociais e por isso as penas acabam por ser relativamente baixas. Estamos a falar de donos de cafés em que as máquinas são o seu sustento e isso acaba por contar”.

Ideia confirmada pelos militares da Guarda: “Há estabelecimentos em que quando apreendemos as máquinas nos dizem que são o sustento da casa, que sem elas não conseguiam sobreviver, porque o resto não dá dinheiro.”

Quanto ao perfil dos jogadores, os elementos da Unidade de Ação Fiscal dizem que há dois tipos: os mais velhos continuam a jogar nas máquinas instaladas nos cafés e os apostadores mais novos recorrem ao online. Sendo que encontram uma outra preocupação: “Isto gera muita dependência nas pessoas. Os prémios são maiores e isso vicia, ficam dependentes. Como não há regulação [como existe nos sites legais] ficam muito viciados.”

Fonte: Diário de Notícias

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