Andreas Krannich, director-executivo da Sportradar, passou pelo Football Talks para falar sobre viciação de resultados desportivos e apostas ilegais. Em entrevista ao PÚBLICO, diz que o fenómeno está a crescer.
A manipulação de resultados para apostas é um fenómeno global e em crescimento. É esta a opinião de Andreas Krannich, director-executivo da Sportradar, empresa parceira da FIFA na monitorização do mundo das apostas e que também trabalha com a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), tendo uma carteira de clientes que vai da NBA às agências de apostas. Em entrevista ao PÚBLICO, após a conferência que deu no último dia do Football Talks, o alemão fala da estratégia e das dificuldades na luta contra a manipulação de resultados.
O futebol português é vulnerável à manipulação de resultados?
Não é nem mais nem menos vulnerável que outros países. O que aprendemos nos últimos 12 anos a trabalhar com federações é que encontramos situações em que as pessoas que promovem a manipulação de resultados andam de um país para o outro à procura de agentes que possam corromper. Na minha perspectiva, Portugal não tem risco maior ou menor que o futebol italiano ou o futebol alemão.
Na conferência citou o caso de um investidor asiático que entrou num clube belga e, depois, num clube finlandês, e foi apanhado na manipulação de resultados. Quando aparece um investidor estrangeiro num clube, é um sinal de alerta para vocês?
Por si só, não. Na nossa experiência de trabalhar com várias agências internacionais, quando se aceita um investidor estrangeiro deve ser-se diligente, fazer-se uma investigação. Não é diferente de outros negócios. Tem de se fazer estas perguntas, quem é este tipo, de onde é que vem o dinheiro.
Vamos ter um jogo grande que pode decidir o título, entre Benfica e FC Porto, na próxima semana. Há alguma hipótese de este jogo poder ser manipulado para efeitos de apostas?
Baseado na minha experiência, nunca posso dizer nunca, mas não espero que isso possa acontecer.
Que países e desportos são mais vulneráveis?
Digo as coisas desta maneira. Pode dizer-se que o futebol, sendo o desporto número um, é o preferido, mas também o ténis, que tem uma abrangência mundial, são só dois jogadores e um árbitro. São esses dois. Mas também o críquete. Quanto a regiões, acontece em todo o mundo. Estes sindicatos criminosos têm actividade internacional. O que também aprendemos é que ligam e desligam clubes. Há um clube que manipula resultados durante meia época e que, depois, não faz nada na época seguinte. Os “fixers” mudam-se para outros países. É essencial que haja uma coordenação internacional entre os organismos.
É difícil haver essa coordenação…
Já há muitas coisas que os organismos responsáveis podem fazer. Já houve duas decisões do Tribunal Arbitral do Desporto em Lausana, em que aceitaram os nossos relatórios como prova, referindo que há semelhanças entre os nossos relatórios e os passaportes biológicos na luta antidoping.
Há algum país que seja um exemplo nesta luta?
Em Portugal estou impressionado como a FPF tem levado isto a sério. Na UEFA, monitorizamos todo o futebol profissional de toda a Europa, mais os jogos da Taça. É o que acontece em Portugal, mas a FPF diz que há muitas apostas nas divisões mais baixas.
As Ligas mais baixas são as mais vulneráveis…
Exactamente. De um ponto de vista estatístico, as Ligas mais baixas são as mais afectadas, mas não podemos subestimar os riscos das divisões principais. Dou um exemplo. Aqui, na principal liga portuguesa, quanto dinheiro e que pensa que se aposta, em média, num jogo? Mais de 30 milhões de euros de média, alguns mais outros menos. O volume de apostas envolvido é tão alto que os clubes de topo também têm de ser protegidos.
Tivemos um caso recentemente, de um jogo entre o Feirense e o Rio Ave. Foi a Sportradar que lançou o alerta…
Não posso falar sobre isso, devido a acordos de confidencialidade e para proteger uma investigação em curso, de falar sobre casos específicos. Não tenho comentários.
Vocês lidam com muitos dados. Há sempre risco de haver falsos positivos…
Não com o nosso sistema. Houve um estudo independente realizado por dois académicos da Universidade de Liverpool. Eles analisaram o nosso sistema durante seis meses e não encontraram falsos positivos.
Vocês têm uma aplicação para jogadores e treinadores fazerem denúncias. Têm tido resultados?
Sim, chama-se a “Integrity App” foi lançado recentemente, também está disponível em Portugal, e em 30 línguas. Não é a solução perfeita, mas é mais uma oportunidade para comunicar situações de fraude de uma forma anónima. Não posso falar de resultados, apenas digo que é uma ferramenta importante.
Não é fácil convencer um clube envolvido ou um jogador ou um árbitro a dizer alguma coisa…
Sim, é verdade. Por múltiplas razões, é muito difícil encontrar alguém que faça uma denúncia “on the record”.
A manipulação de resultados está a aumentar ou a diminuir?
Está a aumentar. O potencial de ganhar dinheiro de forma ilícita é enorme quando comparada com uma actividade criminal mais tradicional. Aprendemos com as polícias que quem estava envolvido em prostituição, lavagem de dinheiro ou tráfico de droga está a meter-se na manipulação de resultados. Isto acontece por duas razões. Há falhas na legislação e, mesmo quando não há, são os jogadores e os árbitros que são apanhados, não quem promove a manipulação de resultados. E o lucro é muito elevado. E outra coisa que é muito importante. A manipulação de resultados anda de mãos dadas com a lavagem de dinheiro.
Na conferência deu-nos alguns números sobre a eficácia da luta contra a manipulação. Apenas 24 resultaram em processos judiciais. Isto parece um número muito baixo…
Para mim, o copo está meio cheio. Eu vejo aqui uma tendência positiva. Cada vez mais as forças políciais e as federações estão a levar isto a sério. Lidamos com cerca de 60 federações no mundo e devo salientar que a FPF é uma das que está a levar isto mais a sério.
Falou na apresentação de futebolistas com 16 anos que sabem tudo sobre o jogo online. Isto é bastante preocupante…
Sim, sabem tudo. Vivemos num mundo digital, pode fazer-se apostas 24 horas por dia, 365 dias por ano. É muito fácil.
Têm uma parceria com a FIFA assinada recentemente. Isto quer dizer que o sistema de monitorização interna da FIFA não funcionava?
Isso é algo que terá de perguntar à FIFA. O que posso dizer é que Gianni Infantino, em 2009, quando estava na UEFA, desenvolveu um sistema connosco que teve muito sucesso. Quando chegou à FIFA, entendeu que esta cobertura se deveria extender à FIFA.
Fonte: Público