Um estudo da Universidade Cidade de Hong Kong revela que as tríades ainda operam nas salas VIP dos casinos, embora de forma mais pacífica e segundo um modelo empresarial. A DICJ já negou estas conclusões.
É certo que a sociedade de Macau já não se vê confrontada com os episódios de violência que marcaram o território no final dos anos 90, protagonizados pelas tríades. Mas elas nunca desapareceram do mercado do Jogo e continuam a operar salas VIP nos casinos. Esta é, pelo menos, a conclusão de um estudo da Universidade Cidade de Hong Kong, da autoria de T. Wing Lo e Sharon Ingrid Kwok, intitulado “Tried organized crime in Macau casinos: extra-legal governance and entrepreneurship”. Entre 2012 e 2015 estes académicos falaram com 17 pessoas, incluindo membros de tríades, operadores de salas VIP, oficiais da polícia e funcionários do Governo chinês com ligações a Macau.
Segundo o estudo consultado pelo HM, as tríades operam hoje nas salas VIP com base num modelo empresarial e até de cooperação, dada a elevada quantidade de dinheiro transaccionado. Os membros das seitas conseguiram ganhar a confiança dos casinos para estabelecerem as suas operações e tudo é feito com base na cultura chinesa do guanxi – a troca de mútuos interesses.
…“Apesar das medidas reguladoras, as salas VIP ainda são dominadas pelas tríades, mas estas tiveram de reajustar o seu tradicional papel intrusivo e reinventaram estratégias de negócio mais harmoniosas para se ajustarem à realidade do mercado. As figuras das tríades desenvolveram a ‘Dor’ (reputação) para garantir a confiança dos casinos e para estabelecer as suas empresas VIP. Obviamente que a governação extra-legal providenciada pelas tríades continua a existir nos casinos”, pode ler-se. “Por outro lado, a quantidade de dinheiro que é operada é tão elevada que a maior parte das tríades não consegue operar sozinha. Há uma ampla oportunidade para uma colaboração entre tríades, sem conflitos. O antigo modelo militar e hierárquico transformou-se num modelo harmonioso orientado para um lado empresarial. Há relações empresariais baseadas no guanxi, para a troca de interesses mútuos”, revela ainda o estudo.
Apesar da presença das tríades, nem todos os empresário junket pertencem a seitas. Contudo, estas estão sempre presentes. “Nem todos os operadores de salas VIP são membros de tríades, há também empresários normais, mas têm de se relacionar com as tríades. A maioria pertence a tríades ou são empresários com ligações a tríades, caso contrário, podem ter problemas em manter tudo sob controlo nas operações diárias. O casino selecciona as tríades mais poderosas, com base num par de factores, incluindo dinheiro, ‘Dor’ da tríade e capacidade de mobilizar mão-de-obra”, disse aos autores um membro da seita 14K.
O PAPEL DOS AMERICANOS
Os autores consideram que a liberalização do Jogo trouxe alterações à presença das seitas, mas não só. “Na última década a indústria do Jogo de Macau tem sido influenciada pelo aumento da interferência do Governo, bem como pela introdução dos operadores de Las Vegas, incluindo Sheldon Adelson e Steve Wynn, para diluir o domínio das tríades.” Contudo, “apesar da actual estrutura do negócio junket ser determinada pelo ambiente de negócio externo e pelas oportunidades providenciadas pela China, as tríades continuam a lidar com as salas VIP como o seu território e providenciam uma governação extra-legal. Monopolizam as salas VIP, encaram-nas como seu território e garantem os rivais não roubam os seus grandes apostadores.”
APOSTAS DEBAIXO DA MESA
O estudo revela ainda que as medidas anti-corrupção adoptadas pelo Governo de Xi Jinping levaram à adopção de novos esquemas de apostas, incluindo as “apostas debaixo da mesa” e apostas via vídeo e por telefone. “Devido às restrições nas viagens, os grandes jogadores chineses já não podem viajar para Macau livremente, então novos tipos de apostas começaram a surgir. As apostas ao vivo transmitidas por vídeo desenvolveram-se nos jogos de baccarat, tendo como alvo os jogadores que não podem realizar visitas a Macau.”
Um dos entrevistados explicou o sistema de funcionamento das “apostas debaixo da mesa”. “Enquanto os jogadores estão fora de Macau, podem continuar a jogar como se estivessem no casino. Têm duas opções. É-lhes dado um nome de utilizador e podem jogar em casa ou, se preferirem, num casino escondido, para terem uma experiência mais real. Há duas camadas de jogadores, os que estão por cima da mesa e os que jogam por debaixo da mesa. As apostas debaixo da mesa são mais elevadas. Isto significa que um cliente que esteja a apostar cem mil dólares de Hong Kong numa mesa de um casino, [leva a que] a aposta debaixo da mesa possa ser de um milhão ou mais. A aposta em cima da mesa é visível e as pessoas podem ver a quantidade de dinheiro que está a ser transaccionada. A aposta debaixo da mesa é diferente, as apostas não são visíveis para os outros e há apenas um acordo entre o apostador e os outros jogadores escondidos”, referiu.
O estudo aponta que “as apostas debaixo da mesa foram uma invenção empresarial para que haja uma adaptação ao mercado chinês e às necessidades dos clientes VIP da China, especialmente quando o Governo Central introduziu medidas anti-corrupção e restringiu as viagens ao exterior para oficiais do Governo”, conclui.
Episódios de lavagem de dinheiro também estão relacionados com os casinos. “Para além das fraudes, a lavagem de dinheiro foi outro crime detectado nas salas VIP devido à crescente corrupção na China. (…) Apesar de não ter sido provado que as tríades estão directamente ligadas a isso, a lavagem de dinheiro é algo altamente controlado e que ocorreu em muitas salas VIP controladas pelas tríades”, pode ler-se.
Os autores contactaram ainda um “dirigente chinês” que referiu que o “irmão de sangue do Dente Partido opera uma sala VIP, por isso, o Dente Partido trabalha lá após sair da prisão, ainda que tenha perdido o poder”. Recorde-se que Wan Kuok Koi era líder da 14K e inaugurou o ano passado uma sala VIP.
DICJ diz desconhecer presença de seitas nos casinos
A Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogos (DICJ) disse à agência Lusa que não tem conhecimento da existência de tríades nas salas VIP dos casinos de Macau, como refere o estudo, mas promete actuar caso detecte irregularidades. “Até ao momento, não verificámos qualquer ‘tríade seleccionada pelos casinos nem a trabalhar com junkets”, promotores de jogo VIP, afirmou o regulador, prometendo, contudo, adoptar as “medidas adequadas” no caso de serem detectadas irregularidades.
Na resposta, a DICJ refere que, de acordo com a legislação, “qualquer parte que requeira a licença de promotor de jogo, independentemente se for indivíduo ou empresa, está sujeita a uma rigorosa verificação de idoneidade e avaliação por parte da DICJ”. Além disso, o órgão regulador diz que vai “analisar, supervisionar e monitorizar as actividades” dos junkets, “em especial, o cumprimento das suas obrigações legais, estatutárias e contratuais e outras responsabilidades estipuladas na legislação aplicável numa base contínua”.
Receitas de Jogo caíram 0,1%
Os casinos de Macau fecharam Fevereiro com receitas de 19,5 mil milhões de patacas, uma queda de 0,1% face ao período homólogo do ano passado, indicam dados oficiais ontem divulgados. As receitas do jogo iniciaram em Junho de 2014 uma curva descendente, com Fevereiro a marcar o 21º mês consecutivo de quedas homólogas, segundo os dados publicados pela Direcção de Inspecção e Coordenação de Jogo (DICJ). Trata-se, porém, da menor queda, que contrasta com a de Janeiro (21,4%) e coloca um ponto final a um período de quebras de dois dígitos que se prolongava desde Setembro de 2014.
A queda de 0,1% tem como comparação Fevereiro de 2015, mês que registou a maior queda percentual em termos anuais homólogos até agora: 48,6%. Os dados revelados vão ao encontro de previsões da generalidade dos analistas, que vêem 2016 como o “ano de estabilização” do sector do jogo, como Aaron Fischer, que antecipou, no início do ano, que os casinos iam fechar Fevereiro, com um crescimento nulo (0%).
Para todo o ano de 2016, o analista da consultora asiática CLSA afirmou esperar um crescimento de 1%. Em termos acumulados, as receitas brutas dos casinos totalizaram 38,2 mil milhões de patacas nos dois primeiros meses do ano, valor que traduz uma diminuição em termos anuais homólogos de 11,8%. Macau contava, no final do ano passado, com 5957 mesas de jogo e 14.578 slot-machines distribuídas por um universo de 36 casinos. Nos primeiros três trimestres de 2015, o PIB contraiu-se 25% em termos reais.
Fonte: Hoje Macau