A vida de um dealer (Pagador de Banca) no Casino Estoril em 1999

Um dos croupiers mais experientes do Casino Estoril, Pedro Capucho, conta as histórias, os segredos e os mistérios de uma vida de trabalho ao lado do pano verde dos...
A vida de um dealer

Um dos croupiers mais experientes do Casino Estoril, Pedro Capucho, conta as histórias, os segredos e os mistérios de uma vida de trabalho ao lado do pano verde dos casinos. Capucho, de 47 anos, trabalha há mais de duas décadas no Estoril, num dos maiores casinos da Europa. “Antigamente era uma profissão que passava muito de pai para filho. Mas agora é diferente. Eu comecei por acaso. Tinha 25 anos e uma pessoa amiga a trabalhar no Algarve”, conta ele. “Estavam a precisar de trabalhadores, fui tirar o curso e tive sorte porque fui logo colocado no Casino de Montegordo. Foi uma experiência óptima. Não há melhor, para começar. No primeiro dia em que se começa a trabalhar, no Estoril, somos completamente largados às feras”.

O que faz um croupier?

Em português, a nossa profissão costuma designar-se como pagador de banca. Porque nós estamos numa banca, a pagar. Quer dizer, temos diversos jogos – como a roleta, ou o blackjack – e vamos correndo as diversas bancas. Cada jogo é numa banca. Nunca estamos sempre no mesmo tipo de jogo. Vamos variando. A duração dos turnos, em geral, varia entre uma e duas horas e meia, no máximo. Nunca podemos estar três horas seguidas numa determinada banca, nem dentro da sala.

Porquê?

Porque é muito cansativo. Esta actividade requer uma atenção extrema e constante. Minuto a minuto. Ganha, perde, faz os trocos… Por isso fazemos intervalos de meia hora. Depois voltamos para outra banca. Pode ser a mesma – por coincidência – ou não.

Quantas bancas existem na sala de jogos do Casino Estoril?

No Estoril há mais de vinte bancas a funcionar. E estamos sempre a rodar. Temos dez roletas (há mais duas ou três mas estão fechadas, porque estão em obras), quatro bancas de blackjack, duas para o bacará e seis para a banca francesa.

Quais são os jogos mais procurados?

Os portugueses gostam mais de roleta e da banca francesa, que é um jogo de dados. Os estrangeiros preferem o blackjack que, tal como o bacará, é um jogo de cartas.

Há algum jogo onde a probabilidade de sair prémio é mais elevada?

Não. Os prémios estão sempre a sair. Alguém ganha sempre.

Como é o dia de trabalho típico de um pagador de banca?

Bem, podemos ter dias curtos e dias longos. O exemplo de um dia longo: entramos às 16h e saímos à 1h da manhã. Nesse espaço de tempo temos vários intervalos e um período de descanso para jantar. E o exemplo de um dia curto: das 15h às 21h, ou das 21h às 3h da manhã. São seis horas, com os devidos intervalos.

Os casinos nunca estão abertos durante a manhã?

Casino Estoril funciona todos os dias entre as 15h e as 3h da manhã. Mas quando toca para a última jogada há imensos jogadores que pedem para prolongar. É o prato do dia. Mas, por lei, não podemos exceder esse horário. Faz-se a última jogada e daí não se passa. O único dia de encerramento é no dia 24 de Dezembro, véspera de Natal. Nessa noite é incrível, porque muitos parceiros vêm aqui para a zona. Andam de um lado para o outro, não sabem o que fazer.

Disse parceiros?

Sim. Para o casino, para a empresa, eles são clientes. Mas para nós, pagadores, eles são parceiros, porque estão a jogar connosco. É o termo técnico que utilizamos.

O Casino Estoril é diferente dos outros casinos em Portugal?

Eu comecei nos casinos do Algarve, onde tudo é muito mais suave. No Algarve joga-se sobretudo no Verão e o ambiente é mais descontraído. O Casino Estoril é mais complicado, porque é muito grande e tem muito jogo. São muitas bancas e quase 300 croupiers. Em Portugal também há casinos na Figueira da Foz, em Espinho e na Madeira. O casino da Póvoa de Varzim é do mesmo concessionário do Casino Estoril.

Quando você vai ao estrangeiro costuma entrar nos casinos?

Costumo. E até sou capaz de jogar, só para ver como trabalham. Mas são visitas mais para ter uma noção do funcionamento. As roletas, as maneiras de pagar e de fazer as apostas são sempre diferentes de Portugal. Em Espanha as diferenças não são assim tão grandes.

Um croupier fala pouco.

Por norma não deverá falar muito, porque há muito jogo e é preciso estar sempre atento. Não pode haver grandes conversas. Muitas vezes aparecem pessoas que eu conheço bem, mas não posso dar muita atenção porque tenho de estar atento ao jogo.

Fica-se pelos termos e expressões técnicas.

Sim. O que dizemos varia conforme o jogo. Por exemplo: “Podem jogar”“Têm tempo para fazer as vossas apostas”“Jogo feito, nada mais”. No Estoril falamos sempre em português.

Uma partida de roleta dura quanto tempo?

Varia. Depende muito do número de jogadores e da forma como eles jogam. E da idade deles. Mas a média anda nas quinze, vinte por hora.

Quantos croupiers existem em Portugal?

A nível nacional somos cerca de mil. Os homens são mais de 90 por cento. No Casino Estoril há quatro raparigas apenas.

Há alguma idade mínima para se ser croupier?

No meu tempo era aos 25. Agora penso que é aos 21 anos. Os cursos são dados normalmente pelo Sindicato dos Profissionais de Banca dos Casinos. Fazem cursos quando é preciso. Na minha altura era um curso intensivo de três meses. Depois fazia-se um exame supervisionado pela Inspecção de Jogos e por um fiscal do Estado, que determina quem está apto a exercer a profissão. E está também um fiscal do sindicato a assistir.

A sua profissão não é extremamente monótona?

É uma profissão entusiasmante porque os parceiros libertam muita adrenalina para cima de nós. Mas também não deixa de ser um pouco monótona, repetitiva, porque é muito metódica.

Como é que os jogadores costumam festejar?

Uns gritam, outros são mais discretos. Os portugueses são mais frios, estão mais habituados. Os estrangeiros são mais efusivos, abraçam-se, riem.

E quando perdem? Já houve casos de histeria, de desmaio ou mesmo de suicídio?

É natural, já houve casos desses. Pessoas que ficam arruinadas. Em geral, depois das 3h da manhã, elas ficam-se por aí, fora do Casino, a pensar na vida.

Alguma vez teve a sensação nítida de que um jogador perdeu completamente a cabeça, está a perder milhões e vai ficar na miséria? Alguma vez sentiu remorsos ou problemas de consciência?

No princípio, sim. Nos primeiros anos. Mas a minha profissão é como outra qualquer e o jogo é um vício como outro qualquer. O jogo é um bichinho que não sai da cabeça de algumas pessoas. O nosso trabalho é vender o jogo, mas por vezes fazemos avisos, alertamos disfarçadamente essas pessoas.

Há quem fique no Casino 12 horas seguidas?

Há bastantes. Comem, bebem e se pudessem dormiam por cá. Mas o período mais concorrido talvez seja a partir das 23h, meia-noite. A altura mais morta é pela hora de jantar, mas depende muito.

Que tipo de gente joga no Casino Estoril?

A maioria são portugueses. Agora há mais diferenças entre as pessoas que vêm à tarde e os que jogam à noite. À tarde são geralmente pessoas de idade ou homens de negócio, que aparecem depois do almoço. À noite chegam os jogadores mais fortes. Em geral joga-se mais à noite. Mas também varia muito. Se às 15h aparecerem três ou quatro jogadores fortes, que jogam muito dinheiro, fazem logo um movimento incrível.

Há muitos jogadores jovens, na faixa dos vinte e poucos anos?

Começam a aparecer mais, mas mesmo assim não é muito frequente. A maioria das pessoas tem mais de 40 ou 50 anos.

Quais são os valores mínimos que se podem apostar em cada jogo?

No Casino Estoril a aposta mínima é de 500 escudos [2,49 euros] na roleta e de mil nos outros jogos. As apostas máximas dependem sempre do tipo de aposta, conforme o jogo. O máximo no bacará, por exemplo, é dois mil contos [9976 euros]. O que se ganha depende, naturalmente, do montante que se aposta. No jogo de dados, a banca francesa, o máximo que se pode pôr são 200 contos [998 euros]. Só que, nesta banca, pode haver 120 decisões numa hora. Eu já vi pessoas ganharem 50 mil contos [249 mil euros] numa só noite, com os ganhos acumulados ao longo de várias horas.

O jogo tem algum saber, ou tudo não passa, de facto, de uma questão de sorte e de azar?

É tudo uma questão de sorte. Apesar de haver muitos jogadores que estão convencidos de que ganham quando querem e que tiram a carta que querem. O jogo bancado – quer dizer, com bancas, como a roleta ou o bacará – não tem sabedoria e depende muito da sorte e do azar dos jogadores. Acontece, muitas vezes, as bancas do casino ficarem a perder dinheiro. Depende dos dias. As slot machines, ao contrário, são mecânicas e, do ponto de vista do concessionário, muito mais garantidas. Nunca perdem dinheiro. É matemático.

Quando as pessoas ganham ficam muito satisfeitas com os croupiers?

Muito satisfeitas…

E quando perdem?

O jogo modifica muito o carácter das pessoas. Ficam tão alheias do que se passa à volta delas que se convencem de que os pagadores de banca é que dão a ganhar ou a perder. Julgam que nós controlamos o jogo. E o jogo nunca pode ser controlado por nós. Apesar de explicarmos diariamente, minuto a minuto, as pessoas continuam convencidas de que ganha e perde quem a gente quer.

Alguma vez o ameaçaram de morte?

Eles ameaçam dentro da sala, mas depois isso passa-lhes. Acho eu… Durante o jogo ouvem-se uns “Este tipo isto…”“Este tipo aquilo…”“Roubam-me o dinheiro todo”“Lá fora passo-lhe com o carro por cima”. Mas depois passa-lhes.

Já nem liga.

Não ligo.

Mas nos primeiro anos deve assustar um pouco.

Sim, mas depois habituamo-nos.

Há pessoas que depois de perderem todo o dinheiro apostam bens como o carro ou uma casa?

Sim, algumas põem as chaves do carro, ou o relógio. Mas é mais na brincadeira. As pessoas sabem que não é permitido.

Aparecem-lhe muitos habilidosos pela frente?

Mais ou menos todos os dias. Mas já os topamos à distância. É gente que anda por ali à volta da mesa, à espera de uma oportunidade, uma ficha escondida, um pagamento que possam aproveitar. Mas os casinos têm segurança própria, além da polícia e de nós próprios.

Há batoteiros que estão proibidos de entrar no casino?

No Casino Estoril os jogadores habituais recebem, todos os anos, um cartão pessoal. Mas no fim de cada ano fazemos uma limpeza. Pessoas desse tipo, que andam a rondar as mesas, são excluídas. Mas muitas delas põem processos em tribunal, invocando o direito de acesso a um espaço público, e conseguem reaver o cartão.

Quanto ganha um pagador de banca?

Recebemos 128 contos [638 euros] mensais fixos.

Mais as gratificações.

Sim. As gratificações é que fazem o nosso ordenando.

Qual foi a maior e a menor gratificação que alguma vez recebeu?

Já recebi 50 escudos [0,25 euros], já recebi 50 contos [249 euros]. Recebemos muitas de 500 escudos, mas já houve quem recebesse 100 contos. O total das gratificações vai para um bolo que depois é dividido por todos os pagadores de banca, conforme os anos de serviço. Mas não são apenas os parceiros ganhadores quem dá gratificações. Também os que perdem por vezes dão gratificações.

Porquê?

Porque acham que o serviço foi bem prestado.

A gratificação aumenta consoante o prémio?

Em geral. E de acordo com a simpatia do pagador.

As gratificações são dadas em dinheiro ou em fichas de jogo?

Em fichas. Na sala de jogos nunca há movimentação de dinheiro.

Qual é o número máximo de parceiros que pode estar a jogar ao mesmo tempo?

A lotação da sala é ilimitada. Tudo depende do jogo. No blackjack são sete, no bacará não há limite, etc.

Quanto mais gente, mais complicado é para vocês, naturalmente.

Sim, claro. Requer muito discernimento.

Os jogadores têm muitas superstições?

Sim. Uns fazem o jogo e tapam os ouvidos, outros saem daquela área e só depois é que vêem. Outros estão de costas, ou de lado. Uns tocam num anel, como se fosse um amuleto. Vários jogadores têm certos tiques.

Há mais homens ou mulheres a jogar?

Mais homens, mas não é uma diferença assim tão grande.

O smoking é uma espécie de farda de trabalho, não é?

Sim. Temos de usar sempre smoking por uma questão de imagem. E porque o ambiente o exige.

Qual é o sítio ideal para uma evasão de fim-de-semana em Portugal?

Eu gosto muito de praia. Nasci em S. João do Estoril e estou habituado à praia. Gosto bastante da Costa Vicentina, no Alentejo. Gosto de praias como a Carrapateira, ou a Amoreira, perto de Alzejur. Gosto muito dessas praias porque nunca têm muita gente. São bonitas e há muito espaço. No Inverno, gosto de ir para o Algarve porque há menos gente, menos confusão e a temperatura é sempre boa. Gosto de sol, não gosto de chuva.

Fonte: London Calling

A Ricardina

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