“É sobejamente conhecido que uma pequena percentagem de jogadores tem dificuldade em controlar os seus gastos e sofre as consequências”
Que tipo de pessoa se torna num jogador compulsivo?
Qualquer pessoa que jogue pode desenvolver esta patologia, se não estiver consciente dos riscos do jogo e se não jogar responsavelmente. Quando o jogo interfere com as finanças, as relações pessoais e o trabalho, já estamos perante uma situação problemática.
Os casinos, lotarias e outros tipos de jogo “causam” problemas de jogo?
A causa dos problemas de jogo (ou do jogo compulsivo) reside na incapacidade da pessoa para se controlar ao jogar. Isto pode, em parte, dever-se a uma tendência genética para o desenvolvimento de adições (vícios), a uma incapacidade para lidar com o stresse normal da vida, ou até ao modo como foi educada e às atitudes morais face ao jogo que lhe foram passadas. O casino e a lotaria fornecem à pessoa a oportunidade de jogar. Não criam, só por si, o problema de jogo, do mesmo modo que um bar não cria um alcoólico.
Que tipos de jogo são mais propícios a causar problemas de jogo?
De novo, a causa dos problemas de jogo (ou do jogo compulsivo) reside na incapacidade da pessoa para se controlar ao jogar. Deste modo, qualquer tipo de jogo se pode tornar problemático, do mesmo modo que um alcoólico se pode embebedar com qualquer tipo de bebida alcoólica. Mas alguns tipos de jogo têm características que podem acentuar os problemas. Embora estes fatores ainda não estejam muito estudados, algumas pesquisas indicam que um fator de risco pode ser a velocidade de jogo; isto é, quanto mais curto o tempo entre a aposta e o resultado do jogo em si, mais probabilidade há de os jogadores desenvolverem problemas associados a esse tipo de jogo.
Qual a responsabilidade da indústria do jogo?
Quem quer que disponibilize oportunidades de jogo tem a responsabilidade de desenvolver políticas e programas dirigidos às questões do jogo compulsivo e do jogo por menores.
Pode-se ser um jogador compulsivo, mesmo sem jogar diariamente?
A frequência de jogo não determina se a pessoa tem ou não um problema de jogo compulsivo. Ainda que o jogador compulsivo só participe em “farras de jogo” periodicamente, as consequências emocionais e financeiras não deixarão de ser evidentes na sua vida, incluindo os efeitos sobre a família.
Quanto dinheiro é “aceitável” perder até que o jogo se torne um problema?
Não é a quantidade de dinheiro perdido ou ganho que determina se uma pessoa é jogadora compulsiva. O jogo torna-se um problema quando causa um impacto negativo em qualquer área da vida do indivíduo.
Como pode uma pessoa ser viciada numa coisa que não é uma substância?
Apesar de não ingerir nenhuma substância, o jogador compulsivo obtém do jogo o mesmo efeito que uma outra pessoa pode obter ao tomar um tranquilizante ou uma bebida. O jogo altera o humor da pessoa e o jogador vai repetindo o comportamento na tentativa de alcançar o mesmo efeito que sentiu na primeira vez. Mas do mesmo modo que desenvolvemos tolerância às drogas ou ao álcool, o jogador descobre que necessita intensificar cada vez mais a experiência de jogo para conseguir o mesmo nível de efeito que na vez anterior. Isto gera uma ânsia crescente pelo jogo e o jogador sente-se com uma cada vez menor capacidade de resistência à medida que esta ânsia se torna mais intensa e frequente.
Os jogadores problemáticos são, por norma, viciados noutras coisas também?
É geralmente aceite que a pessoa que tem um determinado vício corre um maior risco de desenvolver um outro vício (ou adição). Há jogadores compulsivos que também se confrontam com problemas de álcool ou drogas. Contudo, isto não significa que se tiver um problema de jogo vá, obrigatoriamente, viciar-se noutra coisa. Alguns jogadores problemáticos nunca desenvolvem outras adições, pois nenhuma outra substância ou atividade lhes proporciona a mesma sensação que o jogo. Há, porém, algumas evidências de padrões familiares associados à dependência, na medida em que muitos jogadores compulsivos relatam que um ou ambos os pais também tinham problemas de bebida ou jogo.
As crianças ou adolescentes podem também desenvolver problemas de jogo?
Há alguns países/estados que permitem o jogo a menores de 18 anos, e sabe-se que os jovens muitas vezes se envolvem em formas de jogo ilegais, como o jogo na Internet ou as apostas desportivas. Assim sendo, não surpreende que as pesquisas mostrem que a maioria dos jovens jogou antes dos 18 anos, e que as crianças sejam mais propensas a desenvolver problemas de jogo do que os adultos. Enquanto prossegue o debate em torno deste assunto, parece haver uma série de fatores que levam a estas conclusões. A atitude e comportamento dos pais perante o jogo tem influência, tal como a idade em que são expostos ao jogo (muitos adultos que procuram tratamento para o jogo compulsivo afirmam ter começado a jogar muito novos). Vários adolescentes envolvidos nestas pesquisas revelaram apetência por tudo o que diz respeito ao jogo antes de desenvolverem problemas.
QUE FAZER, PERANTE INDÍCIOS DE VICIAÇÃO NO JOGO?
A primeira coisa a fazer se detetar sinais de vício do jogo em si próprio é não os negar. Não faça de conta que o vicio não existe. Não tem que correr imediatamente para um terapeuta. Não tem que ir já amanhã a uma reunião de Jogadores Anónimos. Não tem que começar a fazer medicação na próxima semana. Mas se estiver viciado (ou a viciar-se) vigie-se. Se quer evitar o vício, tem melhores condições para o fazer se o reconhecer e assumir. Se não fizer mais nada, pelo menos vigie o seu problema de jogo se começar a vê-lo em si. Faça um pequeno quadro/gráfico para si próprio: quantas vezes pensa em jogar, quanto dinheiro está a gastar no jogo. E olhe para esses indicadores objetivamente e sem condenação moral. Estão a subir? Estão a descer? Se vê que se mantêm através do tempo e que continuam a subir, então estamos perante um cenário diferente.
O JOGO COMPULSIVO OU PATOLÓGICO TEM CURA?
Antes de responder, é preciso definir o que se entende por cura para o jogo compulsivo.
Pode um jogador compulsivo evoluir para um estado em que não sinta uma ligação emocional e uma atração compulsiva e obsessiva pelo jogo? Claro, sem dúvida; acontece com frequência. As pessoas podem autocurar-se. Mas a realidade é que nunca se fica realmente curado do vício do álcool ou do jogo, pois estes são comportamentos aprendidos. Por exemplo, ninguém nasce com o vício do jogo: a pessoa pratica e pratica, e ao fim de algum tempo construiu no seu cérebro percursos neurológicos que não existiam quando nasceu. Ao longo dos anos, estes caminhos vão-se reforçando, até ao momento que decide não jogar. Isto significa que o circuito neurológico que foi desenvolvendo desaparece? Não; este é como uma autoestrada que está sempre lá! O que ela pode é desenvolver novos caminhos para ir do ponto A ao ponto B. Pode desenvolver uma nova autoestrada para se sentir bem. Pode desenvolver formas de evitar o regresso ao velho caminho do jogo. Mas pode eliminá-lo? Não cremos.
A Ricardina