O termo “bate-ficha” faz parte da linguagem quotidiana de Macau em referência a um tipo de negócio existente apenas nos casinos deste território. O termo não faz parte da legislação, mas existe nos registos da polícia de investigação, pois trata-se de um negócio que não é legalmente regulado ou tributado. A expressão original remete para o cantonês (dap-ma) e o termo português “bate-ficha” foi primeiramente utilizado pela polícia portuguesa.
Este termo significa “lidar” com fichas, e um grande volume de fichas revela poder e lucro. Assim, o negócio “bate-ficha” significa simplesmente o rolamento ou troca de fichas entre os clientes (jogadores) e os roladores de fichas (dap-ma-chai). Os roladores de fichas muitas vezes trazem consigo grandes quantidades de “fichas mortas” (fichas não pagáveis) quando andam pelas salas de jogos a fim de procurar clientes. Eles trocam as “fichas mortas” por fichas correntes, pagáveis nas caixas especiais existentes nas salas, ou com os seus clientes. Em contrapartida, os roladores de fichas recebem uma comissão por esta espécie de intercâmbio.
A STDM contratualiza uma das suas salas de jogo com um operador, o qual é a única pessoa que efetivamente dispõe de uma conta com a STDM, mas pode escolher os seus próprios parceiros para partilhar o investimento na sala de jogo. De acordo com um contrato de costume, ele tem que comprar mensalmente alguns milhões de “fichas mortas” à STDM. Digamos, por exemplo, se tiver que comprar 4 milhões de dólares de Hong Kong (HKD) em “fichas mortas” à STDM, vai precisar de pelo menos 100 clientes. Cada um destes clientes terá de jogar HKD 40.000 por mês, a fim de absorver todas as “fichas mortas”.
Uma vez que a quantidade de “fichas mortas” é substancial, o operador da sala de jogo consegue atrair mais clientes através da criação do negócio “bate-ficha”, que inclui titulares de conta, chefes de equipa e roladores de fichas.
O operador convida pessoas interessadas em fazer parte do negócio – geralmente amigos ou parentes, com avultadas quantias de dinheiro para abrir uma conta na sua sala jogo – designados por titulares de conta ou intermediários. Recebem comissões pela quantidade de “fichas mortas” trocadas por fichas pagáveis, nas caixas do casino.
Sendo o poder de um homem limitado, o titular de conta convida ou emprega os seus amigos ou ” irmãos tríade” para executar o negócio “bate-ficha”. Noutras palavras, os seus amigos ou “irmãos tríade” trabalham como agentes de vendas e ganham uma comissão paga pelo titular da conta. Estes comissionistas também trocam as “fichas mortas” por fichas correntes ou dinheiro dos clientes, são chamados os homens “bate-Ficha” (DAP-ma-chai) ou roladores de fichas. Existem vários milhares de roladores de fichas nos casinos de Macau, tanto homens como mulheres. Algumas centenas podem trabalhar a tempo integral e os restantes a tempo parcial.
Uma vez que a STDM não tem responsabilidade no negócio, os operadores das salas de jogo, os titulares de conta e os roladores de fichas não são funcionários da STDM. Os serviços dos roladores de fichas podem ou não ser utilizados pelo titular de conta, mas ganham a vida através das comissões provenientes da troca de “fichas mortas” por fichas correntes.
Quando as suas operações são rentáveis, podem ascender a chefes de equipa de roladores de fichas. Além disso, os operadores das salas de jogos, ou seus parceiros, podem ser titulares de conta e estabelecer seu próprio negócio “bate-ficha”. Mesmo quando alguém enfrenta problemas, o sistema não colapsa pois está dividido em células separadas com diferentes titulares de conta e chefes de equipa. Cada titular de conta tem o seu próprio negócio “bate-ficha”, independente dos outros.
Esta estrutura organizacional reflete a ideia de venda em pirâmide e dispersão de risco. Além disso, duas equipas com diferentes titulares de conta que trabalham na mesma sala de jogo podem prestar ajuda entre si, emprestando dinheiro sob um acordo mútuo sobre como partilhar a comissão. Noutras palavras, os titulares de conta podem organizar-se em cartéis.
Segue-se um breve exemplo para clarificar o funcionamento deste negócio: Consideremos que o operador da sala de jogo X sabe que um dos seus amigos (Senhor Y) está interessado na gestão do negócio “bate-ficha” e dispõe de capital suficiente para o efeito. O operador pedirá ao Senhor Y para abrir uma conta no balcão de câmbio de fichas na sala de jogo X e, digamos, que a comissão por cada HKD 10.000 de “fichas mortas” é HKD 600. Cada conta possui um número e o número da conta para o Senhor Y é 29. O senhor Y torna-se o titular da conta deste negócio. Em seguida emprega alguns amigos ou “irmãos tríade” como roladores de fichas.
O montante mínimo de “fichas mortas” que podem ser compradas a partir do balcão é HKD 100.000, sendo geralmente conhecido como tabuleiro de “fichas mortas”. Por exemplo, o Senhor Y utiliza dinheiro ou crédito para reservar HKD 2.000.000 de “fichas mortas” (vinte tabuleiros) registados na sua conta (nº 29). Cada um dos roladores de fichas terá HKD 100,000 de “fichas mortas” para andar em torno da sala de jogo em busca de novos jogadores ou dos seus próprios clientes para trocarem dinheiro ou fichas correntes pelas suas “fichas mortas”. Assim que os roladores de fichas tenham trocado todos os HKD 100.000 de “fichas mortas”, regressam ao balcão e usam os HKD 100,000 de fichas correntes para comprar outro tabuleiro de “fichas mortas” através da conta 29.
No final de cada mês, a transacção de “fichas mortas” na conta 29 é calculada. Por exemplo, 100 tabuleiros de “fichas mortas” foram vendidos a partir da conta 29 durante o mês, então a comissão para o Senhor Y será de HKD 600.000. O Senhor Y, titular da conta, poderá optar por pagar aos roladores de fichas salários fixos a cada mês ou uma comissão por si definida.
Os clientes do negócio “bate-ficha” são principalmente de Hong Kong, China Continental e Taiwan. Os roladores de “fichas mortas” fornecem aos seus clientes passagens de avião gratuitas, acomodações e refeições. Também podem dar-lhes conselhos sobre os jogos.
Por vezes, os roladores de fichas praticam descontos nas trocas de “fichas mortas” por fichas regulares ou dinheiro. Os clientes podem trocar as “fichas mortas” por fichas correntes ou dinheiro com os roladores de fichas sempre que desejarem parar de jogar.
Além disso, os roladores de fichas protegem os seus clientes dos “parasitas” (pa-chai) existentes no interior dos casinos. Os “parasitas” são pessoas que incomodam os jogadores com “dicas e palpites” e pedidos de fichas quando os jogadores ganham no jogo.
Ocasionalmente, os seus clientes podem querer adquirir drogas e serviços de prostituição, nestes casos os roladores de fichas podem providenciar as melhores ofertas, com ou sem comissão adicional.
Ainda que seja possível aos jogadores VIP abrirem uma conta directamente com a sala de jogo, torna-se difícil dado que os operadores geralmente estão interessados em construir o seu próprio negócio “bate-ficha” com os titulares de conta seus amigos ou “irmãos tríade”, a fim de sere mais facilmente controlado e gerido.
O operador tem vários argumentos para os clientes abrirem uma conta individual na sua sala jogo, que geralmente incluem apostas insuficientes, ou a necessidade de manter uma conta por um longo período de tempo. Na verdade, a maioria dos grandes jogadores escolhe os serviços dos roladores de “fichas mortas” por conveniência, companheirismo e proteção.
A “subcontratação” das salas de jogos e o estabelecimento do negócio de “bate-ficha” gera mais fluxos de caixa para os casinos porque os jogadores, quando acompanhados pelos roladores de fichas, são frequentemente estimulados a jogar e podem conseguir créditos adicionais (na forma de fichas regulares ou “fichas mortas”) a partir dos próprios roladores de fichas. Desta forma, a STDM reduz os seus custos administrativos e de marketing, aumentando o número de clientes e/ou o montante apostado.
No entanto, não havendo qualquer legislação aplicável a este negócio lucrativo “bate-ficha” esta lacuna é explorada por tríades, florescendo atividades de agiotagem, lavagem de dinheiro e operações de evasão e fraude fiscal no interior dos casinos de Macau.
CONSULTAS/REFERÊNCIAS
– Queensland University of Technology Law and Justice Journal;
– Rufus King, Gambling and Organized Crime;
– Jermone H Skolnick, ‘A Zoning Merit Model for Casino Gambling’ 474 American Academy of Political and Social Science 48-60;
Saiba mais sobre este tema:
- Sociedade de Turismo e Diversões de Macau
- O Negócio “bate-ficha”: DAP-MA
- As salas VIP de Macau
- O Jogo ilícito nas salas Vip dos casinos de Macau
- O envolvimento das tríades
- Os elementos principais
- Os atores principais
- Clientes VIP
A Ricardina