Luis Rebordão
Fundador do Observatório do Jogo Responsável
Os jogos de fortuna ou azar têm sido uma atividade popular em muitas sociedades ao redor do mundo, ao longo da história. Desde apostas em jogos de cartas até lotarias e casinos, o jogo oferece entretenimento, emoção e a possibilidade de ganhar prémios em dinheiro. No entanto, além do aspeto recreativo, os jogos de fortuna ou azar também desempenham um papel significativo na economia e na sociedade.
Importância económica dos jogos de fortuna ou azar
Os jogos de fortuna ou azar são uma indústria de muitos milhões de euros globalmente, com um impacto significativo na economia. Eles geram empregos diretos e indiretos, desde funcionários de casinos e lotarias até fornecedores de serviços, turismo e marketing. Além disso, os impostos e taxas arrecadados com as atividades de jogo podem contribuir para os cofres do Estado e serem direcionados para programas sociais, infraestruturas e serviços públicos.
Em muitos lugares, os jogos de fortuna ou azar são um fator importante para o turismo, atraindo visitantes de outras regiões e países. Casinos e resorts de jogo tornaram-se destinos populares, com infraestruturas de entretenimento e hospedagem que beneficiam as economias locais.
Importância social dos jogos de fortuna ou azar
Além do impacto económico, os jogos de fortuna ou azar também têm implicações sociais. Para muitas pessoas, jogar é uma forma de lazer e entretenimento, proporcionando uma pausa das pressões quotidianas e uma oportunidade de diversão. Também pode ser uma forma de socialização, reunindo pessoas com interesses comuns num ambiente emocionante.
No entanto, é importante reconhecer que o jogo pode ter consequências negativas para algumas pessoas. Problemas de jogo patológico ou vício em jogos de fortuna ou azar são questões sérias que podem levar a dificuldades financeiras, problemas de saúde mental e impactos nas relações pessoais. Por isso, a regulamentação e a promoção do jogo responsável são aspetos importantes a serem considerados na indústria de jogos de fortuna ou azar.
Sem dúvida, os jogos de fortuna ou azar desempenham um papel significativo na economia e na sociedade. Eles oferecem entretenimento e oportunidades económicas, ao mesmo tempo em que apresentam desafios relacionados ao jogo responsável. A regulação adequada é fundamental para garantir a integridade do setor, proteger os jogadores vulneráveis e maximizar os benefícios económicos e sociais dos jogos de fortuna ou azar.
O objetivo deste artigo é analisar e comparar os dois principais modelos de regulação de jogos de fortuna ou azar: o regulador independente e o regulador integrado. Exploraremos as características de cada modelo, as suas vantagens e desvantagens, e examinaremos exemplos de países que adotaram diferentes abordagens de regulação. Ao fazê-lo, procuraremos fornecer uma visão abrangente das implicações e desafios associados a cada modelo de regulação.
Regulador independente
O modelo de regulador independente envolve a criação de um órgão regulador autónomo e separado do governo. Esse regulador é responsável pela supervisão e controlo do setor de jogos de fortuna ou azar, garantindo a integridade do mercado e a proteção dos jogadores.
Vantagens do regulador independente:
• Separação de interesses: Um regulador independente permite uma clara separação entre os interesses financeiros do governo em relação à arrecadação de impostos provenientes do jogo e a supervisão do mercado de jogos de fortuna ou azar. Isto ajuda a evitar conflitos de interesse e a garantir uma regulamentação imparcial.
• Imparcialidade e transparência: Com a independência do governo, o regulador pode tomar decisões com base em critérios técnicos e objetivos, sem influências políticas. Isso aumenta a transparência e a confiança do público no processo regulatório.
• Foco na proteção dos jogadores: Um regulador independente geralmente tem maior capacidade de dedicar recursos e esforços para promover o jogo responsável, adotando medidas de prevenção do vício e proteção dos jogadores vulneráveis.
Desvantagens do regulador independente:
• Coordenação com políticas governamentais: Em alguns casos, a separação entre o regulador independente e o governo pode dificultar a coordenação efetiva com outras políticas governamentais, como políticas fiscais, de saúde pública e desenvolvimento social.
• Flexibilidade regulatória: O regulador independente pode enfrentar desafios na adaptação rápida às mudanças do mercado de jogos de fortuna ou azar. A falta de flexibilidade pode limitar a sua capacidade de responder prontamente a novas tendências e avanços tecnológicos.
Regulador integrado
No modelo de regulador integrado, o órgão regulador está incorporado numa estrutura governamental existente, como um ministério, uma agência ou um departamento. O regulador integrado trabalha em estreita colaboração com outras áreas de governo.
Vantagens do regulador integrado:
• Coordenação com políticas governamentais: O regulador integrado pode ter uma visão mais ampla das políticas governamentais relacionadas aos jogos de fortuna ou azar, permitindo uma melhor coordenação com outras áreas governamentais, como finanças, saúde pública e turismo.
• Eficiência administrativa: A integração do regulador com outras estruturas governamentais pode resultar em maior eficiência administrativa. A colaboração estreita entre o regulador e outras entidades governamentais pode permitir a partilha de recursos, experiência e informações. Isso pode facilitar a implementação de políticas e regulamentos de forma mais eficiente, evitando sobreposição de responsabilidades e garantindo uma abordagem coerente e abrangente para o setor de jogos de fortuna ou azar.
• Visão abrangente do setor: O regulador integrado, ao estar envolvido em várias áreas governamentais, pode ter uma visão mais ampla do setor de jogos de fortuna ou azar e suas interações com outras políticas. Isso pode ajudar na compreensão das implicações sociais, económicas e de saúde pública do jogo, permitindo a formulação de regulamentos mais abrangentes e holísticos.
Desvantagens do regulador integrado
• Conflitos de interesse: Um dos desafios do modelo de regulador integrado é o potencial de conflitos de interesse. Como o regulador está incorporado a uma estrutura governamental existente, pode haver pressões políticas e interesses conflituantes que podem comprometer a sua imparcialidade e independência na tomada de decisões regulatórias. Por exemplo, pode haver pressões para promover determinados tipos de jogos ou beneficiar certos operadores de jogos com base em interesses políticos ou financeiros.
• Menor independência e transparência: O modelo de regulador integrado pode enfrentar dificuldades em manter um alto nível de independência e transparência. A proximidade com outras entidades governamentais pode tornar mais difícil para o regulador agir de forma imparcial e tomar decisões estritamente com base em critérios técnicos. Além disso, a transparência na divulgação de informações e tomada de decisões pode ser comprometida pela influência política e burocrática.
• Falta de especialização: A natureza integrada do regulador pode limitar sua capacidade de desenvolver conhecimentos especializados no setor de jogos de fortuna ou azar. Ao estar envolvido em várias áreas governamentais, o regulador pode ter que lidar com uma ampla gama de questões e responsabilidades, o que pode dificultar o desenvolvimento de especialização profunda no campo dos jogos de fortuna ou azar. Isso pode impactar a eficácia da supervisão e fiscalização do setor.
• Barreiras à inovação regulatória: A estrutura governamental do modelo integrado pode levar a uma maior burocracia e atrasos na implementação de novas regulamentações ou ajustes regulatórios. A necessidade de coordenação com várias entidades governamentais pode tornar o processo de tomada de decisão mais complexo e lento, dificultando a resposta rápida a mudanças no setor de jogos de fortuna ou azar e a adoção de medidas inovadoras para a proteção dos jogadores.
É importante ressaltar que estas desvantagens podem variar de acordo com o contexto e a eficácia das estruturas governamentais em cada país. Cada modelo de regulação tem suas próprias vantagens e desvantagens, e a escolha entre um regulador independente e um regulador integrado deve levar em consideração as circunstâncias e prioridades específicas de cada país.
Diferentes modelos de regulação
Exemplos de países que adotam diferentes modelos de regulação de jogos de fortuma ou azar.
Reino Unido
O Reino Unido é frequentemente citado como um exemplo de país que adotou um modelo de regulador independente para o setor de jogos de fortuna ou azar. A Comissão de Jogos do Reino Unido (UK Gambling Commission) é um órgão independente responsável pela regulamentação e supervisão do mercado de jogos de fortuna ou azar no país. A comissão opera de forma autónoma, com o objetivo de garantir a integridade do setor e a proteção dos jogadores.
A vantagem deste modelo é a clara separação entre os interesses financeiros do governo e a supervisão do mercado. A Comissão de Jogos do Reino Unido tem o poder de emitir licenças, impor regulamentações e aplicar sanções, focando na promoção do jogo responsável e na proteção dos jogadores. Além disso, o modelo independente permite uma maior transparência e imparcialidade na tomada de decisões regulatórias.
França
Em 2010, França adotou um modelo de regulador integrado para o setor de jogos de fortuna ou azar. A Autoridade Reguladora dos Jogos Online (ARJEL) era um órgão governamental que atuava como regulador e supervisor das atividades de jogos de fortuna ou azar online no país. A ARJEL estava integrada ao Ministério do Orçamento, responsável por várias áreas, incluindo finanças e política tributária.
Recentemente, a França passou por uma mudança na estrutura de regulação de jogos de fortuna ou azar. A Autoridade Nacional de Jogos (Autorité Nationale des Jeux – ANJ) foi estabelecida, em 2020, como o novo órgão regulador do setor de jogos de fortuna ou azar em França.
A ANJ é uma autoridade independente que tem como objetivo centralizar e unificar a regulação de todas as formas de jogos de fortuna ou azar no país, incluindo jogos online e jogos de base territorial. Ela é responsável pela emissão de licenças, monitorização dos operadores, combate à fraude e proteção dos jogadores. A ANJ também trabalha em estreita colaboração com outros órgãos governamentais para coordenar as políticas relacionadas com jogos de fortuna ou azar.
A criação da ANJ foi uma iniciativa para fortalecer a regulação e supervisionar de forma mais abrangente o setor de jogos de fortuna ou azar em França. A mudança visa promover um ambiente de jogo seguro, responsável e transparente, garantindo a integridade do mercado e protegendo os interesses dos jogadores.
A mudança do modelo de regulação em França, com a transição da ARJEL para a ANJ, ocorreu como parte de uma reforma mais ampla do setor de jogos de fortuna ou azar no país.
Uma das razões da mudança na estrutura de regulação pode ter sido a busca por uma maior eficiência e coordenação na regulação do setor de jogos de fortuna ou azar. Ao centralizar e unificar a regulação sob a ANJ, o governo francês pode ter procurado promover uma abordagem mais coesa e coordenada, especialmente no que diz respeito a políticas relacionadas a jogos de fortuna ou azar, como a promoção do jogo responsável, a prevenção da fraude e a proteção dos jogadores.
Além disso, a criação da ANJ pode ter sido uma resposta à evolução do mercado de jogos de fortuna ou azar e às demandas por uma regulação mais abrangente. Com o aumento dos jogos de fortuna ou azar online e das preocupações com a proteção dos consumidores, é possível que o governo francês tenha considerado necessário fortalecer e aprimorar a estrutura regulatória do país.
A independência da ANJ pode ter sido vista como uma maneira de garantir a imparcialidade e a eficácia da regulação, evitando possíveis conflitos de interesse. Ter uma autoridade reguladora independente pode ajudar a proteger os jogadores, garantir a integridade do mercado e manter a confiança no setor de jogos de fortuna ou azar.
No entanto, é importante notar que as razões exatas por trás dessa mudança podem variar e envolver considerações políticas, económicas e sociais específicas do contexto francês.
Espanha
Em Espanha, a regulação de jogos de fortuna ou azar é feita por um regulador integrado, Dirección General de Ordenación del Juego (DGOJ), que faz parte do Ministério da Economia e Transformação Digital.
A DGOJ é responsável pela emissão de licenças, supervisão e regulação de todas as formas de jogos de fortuna ou azar, incluindo jogos online e jogos de base territorial, em Espanha. Esta entidade trabalha em estreita colaboração com outras áreas governamentais, como finanças, saúde pública e turismo, para garantir uma coordenação eficiente e uma abordagem integrada na regulamentação do setor.
A vantagem do modelo de regulador integrado, como observado no caso de Espanha, é a capacidade de alinhar as políticas de jogos de fortuna ou azar com outras áreas governamentais e os seus objetivos estratégicos. A DGOJ pode coordenar esforços com o governo para garantir a conformidade regulatória, a arrecadação de receitas fiscais e a promoção do turismo relacionado a jogos de fortuna ou azar, ao mesmo tempo em que procura proteger os jogadores e promover o jogo responsável.
Portugal
Portugal é um exemplo de regulador integrado no contexto da regulação de jogos de fortuna ou azar. Em Portugal, o órgão responsável pela regulação e supervisão de quase todas as formas de jogos de fortuna azar é o Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos (SRIJ).
O SRIJ é uma entidade independente que atua como regulador integrado, estando sob a alçada do Ministro da Economia e do Mar. O Serviço de Regulação e Inspeção de Jogos em Portugal é responsável pela regulação e fiscalização de várias formas de jogos de fortuna ou azar, como jogos online, apostas desportivas e jogos de casino. No entanto, as lotarias em Portugal são reguladas e supervisionadas pela Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, uma instituição de assistência social com um papel específico neste setor.
A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa é uma entidade que possui o monopólio legal das lotarias em Portugal. Ela é responsável por operar e regular as lotarias, incluindo a gestão dos sorteios, a venda de bilhetes e a distribuição de prémios. Embora o SRIJ não tenha jurisdição direta sobre as lotarias, é importante mencionar que elas existem como uma forma de jogo de fortuna ou azar no contexto nacional. A separação das lotarias como uma área de regulação específica é uma característica particular do sistema português.
A vantagem de um regulador integrado como o SRIJ é a capacidade de alinhar a regulação dos jogos de fortuna ou azar com outras políticas governamentais, como a promoção do turismo e o desenvolvimento económico. Além disso, a supervisão e fiscalização centralizadas podem levar a uma maior eficiência administrativa e melhor coordenação com outras áreas governamentais, como finanças e saúde pública.
Austrália
A Austrália adota um modelo misto de regulação de jogos de fortuna ou azar. O país possui reguladores independentes ao nível estadual e territorial, bem como órgãos governamentais que supervisionam a indústria ao nível federal. Por exemplo, a Comissão de Apostas e Jogos de Azar de Victoria (Victorian Commission for Gambling and Liquor Regulation) é responsável pela regulação de jogos de fortuna ou azar no estado de Victoria, enquanto a Comissão Australiana de Jogos (Australian Gambling Commission) supervisiona a indústria ao nível nacional.
Esse modelo permite a combinação de reguladores independentes, que se concentram nas necessidades específicas de cada região, com a coordenação e a partilha de informações ao nível federal. No entanto, pode haver desafios em garantir a consistência e a uniformidade das regulamentações em todo o país.
Aqui chegados, podemos constatar que os exemplos de Reino Unido, Espanha e Austrália demonstram diferentes abordagens de regulação de jogos de fortuna ou azar. Cada país optou por um modelo de regulador independente, regulador integrado ou uma combinação dos dois, dependendo de suas circunstâncias e prioridades específicas. Não há uma abordagem única que seja adequada para todos os contextos. Tanto o modelo de regulador independente quanto o modelo de regulador integrado têm as suas vantagens e desvantagens, e a escolha do modelo de regulação deve levar em consideração fatores como a estrutura governamental, a cultura do jogo no país, os objetivos de política pública e as preocupações com a proteção dos jogadores.
A separação clara de interesses financeiros e a independência do governo podem ser vantajosas num modelo de regulador independente, como observado no caso do Reino Unido. Isso pode garantir uma supervisão mais imparcial, focada na proteção dos jogadores e no jogo responsável. Por outro lado, o modelo de regulador integrado, exemplificado pela Espanha, pode permitir uma melhor coordenação com outras áreas governamentais, como finanças e saúde pública, resultando numa abordagem mais abrangente para o setor de jogos de fortuna ou azar.
Além disso, o exemplo da Austrália mostra que é possível adotar uma abordagem mista, com reguladores independentes ao nível regional e coordenação ao nível federal. Isto permite uma adaptação às necessidades específicas de cada região, ao mesmo tempo em que permite a harmonização de regulamentações em todo o país.
Em última análise, a escolha do modelo de regulação de jogos de fortuna ou azar depende das circunstâncias e prioridades de cada país. É fundamental encontrar um equilíbrio entre a proteção dos jogadores, a integridade do mercado, a arrecadação de receitas e a coordenação com outras políticas governamentais. O estudo de diferentes modelos de regulação e a análise de seus resultados podem fornecer perceções valiosas para a formulação de políticas eficazes e sustentáveis no setor de jogos de fortuna ou azar.